Linchamentos, stalkers e Roberto Jefferson - ou como chegamos até aqui

Já não era uma coisa isolada. As pessoas estavam mais, digamos, esquisitas e já tinham uma coragem fora do comum em demonstrar isso.

Em 2014, perto da casa dos meus pais, por exemplo, um cidadão estava sendo espancado. Fui tentar salvar sua vida, mas tive que fugir para não apanhar também. A vítima, minha vizinha, disse que o ladrão era outro. Não importou. Corri para o Facebook, achando que ia encontrar apoio, mas recebi ameaças de morte por “defender ladrão”. Como assim? 

Tudo explicado no meu post, mas a massa preferia bater e me ameaçar. Desde esse evento até um dia desse, mas ainda antes da entrada em vigor da Lei 14.132/2021, um cara da Polícia Civil me estalqueava, e tive que fingir ser amigo dele para dissuadi-lo da vontade que ele sempre anunciou de me bater.

Por essa época, apareceram muitos outros casos de pessoas linchadas, várias delas até a morte, vítimas estas que eram julgadas também em redes sociais... até o momento de descobrirem que não tinham culpa alguma. Foi o que aconteceu com Fabiane Maria de Jesus (confundida com uma sequestradora) e, lamentavelmente, com centenas de outras vítimas em todo o Brasil. Expressões como “bandido bom é bandido morto” e “mimimi” popularizaram-se e se tornaram um distintivo desse novo público.

"Viraríamos Venezuela se o candidato do PT ganhasse em 2018": embora fosse exagero, quem tinha informação suficiente, mas queria o PT fora, não desmentia, repetindo aquele vale-tudo de 2014.

Um caleidoscópio de eventos improváveis – um impeachment, a prisão do candidato mais forte do PT, uma facada naquele que sobreviveria e venceria a eleição – liberou o coração e o fígado para votar.

Com a ascensão de Bolsonaro e sua ida ao segundo turno, houve adesão quase automática de setores insatisfeitos com o petismo, dos direitistas de sempre e... de direitistas extravagantes. Um fortalecimento à direita que ocultou gente, digamos, diferente. Ao mesmo tempo, a Presidente do PT defendia o regime venezuelano em plena eleição, e o próprio PT negava-se a fazer qualquer mea culpa por escândalos de corrupção, inclusive do incontroverso Mensalão de Roberto Jefferson. 

Resultado: vitória do até então caricatural candidato Bolsonaro, cativo em programas humorísticos e redes sociais.

Bolsonaro cedo descobriu, observando Steve Bannon e Donald Trump, que não a doutrina liberal ou o real conservadorismo o garantiria no poder, mas narrativas conspiratórias ultradireitistas - que, até então, nesses trópicos, eram apenas cômicas.

Ocorre que essas ideias, que vão desde o terraplanismo à existência de uma Nova Ordem Mundial Globalista e Comunista, preconizam também a negação da ciência a desobediência às organizações supraestatais, como a OMS. A família Bolsonaro, não bastasse converter fanáticos com tais narrativas, desceu ao pântano de brigar com a China, negar vacina e ser contra o lockdown. 

Como assim? E o povo? Ora, parte da população “fechou com Bolsonaro”. Aqueles de mais estômago pularam dentro do neodireitismo, que dá voto e tráfego em redes sociais. Ex-jornalistas passaram a ter audiência, ex-políticos e aspirantes a políticos passaram a ter eleitores e donos de Igreja passaram a ter o número do telefone do presidente. A mágica do sucesso, apesar das mortes.

Só uma pequena parte desses caras realmente acredita, mas todos lucram com essas baboseiras mortais. Negacionismo e Conspiracionismo matam, mas dão sobrevida a jornalistas derrotados, ressuscitam políticos e promovem gente nula.

Sabe o Roberto Jefferson? Aquele do Mensalão? Preso e colocado na vala da história? Pois vá no Twitter. Vá no Youtube. Ele é um líder do neodireitismo e terá muitos votos em qualquer eleição. Como fez isso? Falando de Nova Ordem Mundial, mandando criar milícias, bater em guardas municipais e fazendo comentários racistas contra Judeus. Todo dia tem novidade.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.