Neste 23 de março de 2021, tivemos um recorde de 3158 mortes por Covid em 24h, um discurso de Bolsonaro na TV e o STF declarando o ex-juiz Moro parcial nos processos em que julgou Lula.
A depender da maneira que o brasileiro julga esses eventos, pode aprofundar o Brasil no caos que estamos vivendo. Há duas opções claras: 1. julgar o certo como certo e o errado como errado, ou 2. escolher um lado para torcer, ou uma fé a professar.
Uma forma de julgar corretamente o que se nos apresenta é usando a velha lógica, até porque, se você não concorda com ela, fica claro que você é um torcedor, ou tem, simplesmente, fé. Se a conclusão lógica é diferente da que você intimamente apoiava, você tem a opção de mudar, ou de culpar a lógica, admitindo-se um devoto. Normal.
Mas aqui vos aconselho, os conterrâneos, a não ser devoto quando o tema é política, dadas as consequências que se apresentam todo dia. Tipo: mortes poderiam ter sido evitadas. Da sua mãe. Do seu amigo. A sua morte.
Considere uma primeira regra: duas proposições contrárias não podem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo.
Pois bem. Bolsonaro abriu seu discurso televisivo dizendo que “em nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes para combater o coronavírus”, e depois concluiu dizendo que “estamos fazendo de 2021 o ano da vacinação”.
O que está acima é contrário a outras afirmação e atitudes do presidente, como, por exemplo, quando chamou a Covid-19 de “gripezinha”, informou que a pandemia foi “superdimensionada”, recusou três ofertas de compra da CoronaVac, em julho, agosto e outubro de 2020; recusou, em agosto de 2020, um lote de 70 milhões da Pfizer, que começaria a ser entregue em dezembro de 2020; negou que compraria e minimizou a eficácia das vacinas, desestimulou sistematicamente o uso de máscaras e incentivou e realizou aglomerações.
Sem falar do fato de que o Ministério da Saúde, sabendo, com quatro dias de antecedência, que faltaria oxigênio em Manaus, não tomou medidas para evitar a crise; da acefalia no Ministério; do negacionismo científico; da defesa e da compra de falsos remédios.
Eu pergunto: você concorda com qual dos dois tipos de posicionamento de Bolsonaro, que estão nos dois parágrafos anteriores? Concordar com ambos não dá, porque são contrários. Desculpa, mas a lógica é implacável.
Considere uma segunda regra, tão óbvia que você não acha em manuais: é critério para examinar a veracidade e a falsidade de afirmações o exame dos fatos, ou premissas, e não a intenção íntima. As afirmações do presidente são falsas conforme demonstrado, e concordar com o que ele falou no discurso só se for um ato de fé mística.
Neste ponto, o discurso de Bolsonaro foi ótimo: o cidadão desinformado, mas honesto, que acompanha o presidente, pode ter notado que ele mesmo se desdisse. Temo, porém, que o capitão tenha - além da “imunidade ao erro” que eu já verificava antes da pandemia - ganhado corações e mentes de brasileiros a tal ponto em que seus devotos o defendam até mesmo quando se contraria.
Seria, enfim, a fé no seu estado mais puro, e alguém cujo poder é maior do que o de qualquer outro político na história brasileira.
Quanto a Moro, se você concorda que juízes não podem orientar partes do processo, concorda com a decisão do STF - independentemente do que intimamente os Ministros daquela corte tenham como objetivo, da intenção de Moro, da sua intenção. Advogados criminalistas adoram nulidades, e essa, em específico, a gente aprende no segundo semestre do curso do Direito.
Se você está chateado porque fatos são fatos, sinto dizer que não posso – nem nenhuma força do mundo – fazer nada para mudar isso.
Se você não concorda com a lógica, já sabe: devoto que é, pode estar encaminhando o Brasil para mais crise.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.