Resolução do CNJ não vai soltar criminosos em hospitais psiquiátricos; entenda o que diz a norma
Documento que começou a valer nesta semana estabelece o fechamento de hospitais de custódia para que se cumpra no Judiciário o que foi determinado pela Lei Antimanicomial, de 2001
Está em vigor desde a segunda-feira (15) a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê o fechamento gradual dos hospitais de custódia, entre outras medidas previstas na Lei Antimanicomial, de 2001.
Ou seja, é o cumprimento, no âmbito do Poder Judiciário, de uma lei que existe há mais de 20 anos e tem como base os princípios constitucionais na dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à saúde, ao devido processo legal e à individualização da pena.
Isso não significa, ao contrário do que afirma uma nota alarmante do Conselho Federal de Medicina (CMF), que “criminosos (...) comecem a soltos se valendo do disposto na Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça”.
O fechamento dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs), até maio de 2024, é apenas uma das medidas previstas na resolução. E, claro, não prevê a liberação de pessoas que, de acordo com a lei, são inimputáveis - incapazes compreender a ilicitude de sua conduta, mas cometeram crimes ou delitos.
O que a medida estabelece é que a autoridade judicial competente deverá revisar processos “a fim de avaliar a possibilidade de extinção da medida em curso, progressão para tratamento ambulatorial em meio aberto ou transferência para estabelecimento de saúde adequado”, nos casos definidos na resolução.
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Conforme o documento, o objetivo é aprimorar os espaços para tratamento adequado a esse público que esteja em um ambiente não apropriado para o cuidado em saúde.
Segundo o CNJ, citando dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), havia, em 2022, 1.869 pessoas cumprindo medida de segurança em manicômios judiciários (hospitais de custódia) ou em estabelecimentos penais comuns.
Avaliações constantes
A advogada Leila Paiva, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE lembra que esta é “uma meta antiga de resolução de uma lacuna que surge com a Luta Antimanicomial” e que consistirá em constantes avaliações do quadro de quem está nessa situação.
“De forma prática, teremos uma avaliação já na audiência de custódia sobre a existência de quaisquer transtornos e o devido encaminhamento e, no caso das pessoas que hoje estão sob custódia, será feita uma avaliação caso a caso com prazos a partir de seis meses”, explicou.
A medida de tratamento ambulatorial será priorizada em detrimento da medida de internação e será acompanhada pela autoridade judicial a partir de fluxos estabelecidos entre o Poder Judiciário e a Rede de atenção psicossocial”
Ou seja, se for observada a necessidade de tratamento sistemático, haverá o encaminhamento a leitos especializados.
Sem benefícios para o doente e para a sociedade
A resolução do CNJ atende a diversos comandos, desde tratados internacionais a, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, reforça o advogado Márcio Vitor de Albuquerque, presidente da Comissão de Direito Penitenciário da OAB-CE.
"Nós sabemos que esses manicômios judiciais não têm estrutura adequada pra acolher esse tipo de pessoa. Então, a resolução do CNJ instituiu a política antimanicomial para tirar essas pessoas que estão internadas e aí se aplicar medidas alternativas. Essas pessoas devem de fato ter um tratamento de saúde e não ficarem reclusas, custodiadas nesses locais", avalia.
Essas pessoas devem ser atendidas por equipes de multidisciplinares justamente para efetivar uma atenção integral no tocante à espécie de deficiência que ela tem. A intenção da resolução é de fato evitar que elas fiquem internadas"
O advogado ressalta, contudo, que essas pessoas poderão seguir internadas como “medida emergencial”, “mas essa internação não será mais nesses locais, nos manicômios judiciais”, afirmou.
No caso do Ceará, lembra Albuquerque, essa instituição é o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes.
Internos não devem ser liberados sem acompanhamento
Ao contrário do que afirmou a nota do CFM, a advogada Leila Paiva destaca que não há nenhuma previsão desse tipo na norma do CMJ. “Ao contrário, prevê um processo de avaliação dos casos de forma criteriosa”.
"A resolução estabelece procedimentos para tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas, sejam investigadas, acusadas, rés ou privadas de liberdade, em cumprimento de pena ou de medida de segurança, em prisão domiciliar, em cumprimento de penas alternativas, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto".
Leila Paiva diz discordar da avaliação de que essas medidas serão um risco para a sociedade. “Essa população compõe a sociedade. É claro que as avaliações darão conta de possíveis riscos”, ponderou.
Sobre a forma como o Estado irá se cumprir essa norma, a advogada destaca que será necessária uma adaptação, “mas essa é uma mudança esperada há muitos anos. É preciso impulsionar esse tipo de mudança”, concluiu.
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Em busca de dignidade
Márcio Vitor de Albuquerque reitera que o objetivo da medida é promoção da dignidade. “Se é um problema de saúde mental, realmente o que o CNJ está reconhecendo é que essa internação não traz nenhum retorno nem para o próprio doente, aquele que está sendo tratado, nem para a sociedade”, disse.
O advogado explica como se dará a aplicação da resolução com o caso de um paciente diagnosticado com algum transtorno mental, sem culpabilidade, e que já tem uma sentença transitada em julgado, mas segue com medida de segurança. “Então, o poder judiciário vai avaliar justamente a retirada dessas pessoas desses locais, onde elas estão especificamente internadas”, exemplificou.
Ele também defende o fechamento dos manicômios judiciais, por serem "locais que realmente não tratam de forma digna", mas ressalta que esse processo tem um prazo para ocorrer da forma devida. "Isso é algo que está sendo feito com o tempo, e vai ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar".
Em resumo, Albuquerque afirma que a resolução “vem para cumprir um dispositivo da própria Carta Magna [a constituição], que é o direito à dignidade da pessoa humana. Essas pessoas também não podem ser tratadas como se fossem criminosos, algo nesse sentido, porque elas não têm culpabilidade, e tem que ser avaliada a questão da saúde mental de cada um”, finalizou.