Infotoxicado: um estudo antropológico sobre a desgraça de saber demais

A informação que consumimos é útil, ou apenas uma forma de deixar a vida passar sem realmente vivê-la?

Legenda: Nada na nossa evolução preparou nosso córtex pré-frontal para processar 11 milhões de bits de informação por segundo.
Foto: Marketing SVM

O Homo sapiens, pobre bicho sobrecarregado. 

Nós, Homo Sapiens, somos um acidente evolutivo fascinante. Originalmente, um bicho de tribos nômades, com habilidades limitadas de processamento de informação, feito para viver em grupos pequenos, conforme argumenta Yuval Harari, em Sapiens: Uma Breve História da Humanidade.  

Harari explica que nossa capacidade de processar dados sociais foi o que nos deu vantagem evolutiva, permitindo que cooperássemos em grandes números. No entanto, nossa mente foi moldada para lidar com uma quantidade limitada de dados e interações sociais. 

Robin Dunbar propôs que o cérebro humano suporta confortavelmente cerca de 150 conexões sociais estáveis. Mais que isso, a mente entra em colapso. Agora, imagine se Dunbar visse o Facebook. Com centenas ou milhares de “amigos”, estamos rompendo essa limitação cognitiva diariamente. A natureza nos deu um cérebro altamente eficiente, especializado para caçar, coletar, e lembrar onde ficava a fonte d’água mais próxima. Nada na nossa evolução preparou nosso córtex pré-frontal para processar 11 milhões de bits de informação por segundo, sendo que, segundo estudos de Mathew Zimmerman, em seu livro Human Physology, apenas 40 bits chegam à nossa consciência. O restante é ruído, uma cacofonia que sobrecarrega nossa mente. 

A antropóloga Helen Fisher reforça essa ideia ao afirmar que a evolução humana foi focada em especializações para sobrevivência e reprodução, e não para a enxurrada moderna de dados e demandas sociais artificiais. Ela sugere que nosso cérebro ainda funciona, neurologicamente, como o de nossos ancestrais, que precisavam focar em tarefas concretas: caçar, construir, conectar-se intimamente com poucos. Agora, estamos sobrecarregados com decisões triviais e efêmeras. 

A mídia moderna: a dança implacável pela nossa atenção 

Se somos mal preparados para lidar com tamanha quantidade de informações, a mídia moderna nos pegou desprevenidos. As plataformas e os dispositivos são desenhados precisamente para explorar as fraquezas evolutivas que temos. O estudo da WARC Strategy mostra como essa guerra pela nossa atenção é orquestrada. 

Primeiro, o dispositivo. A interface amigável e onipresente do smartphone se torna o primeiro elo de uma cadeia desenhada para sugar nossa atenção. A cada deslizar de dedo, estamos nos afundando mais profundamente no buraco da infotoxicidade. Mas o truque real vem no segundo passo: a plataforma. Instagram, TikTok, YouTube – todas essas redes são projetadas para maximizar o tempo de tela. Elas alimentam nossos cérebros com uma recompensa rápida e viciante, exatamente como previu o neurocientista Daniel Levitin, que destacou que cada notificação ativa uma microliberação de dopamina. O efeito? Ficamos viciados. 

E não é só o dispositivo e a plataforma. O formato também importa. Aqui, a WARC Strategy destaca que, para capturar nossa atenção, um anúncio precisa gerar impacto em menos de 2,5 segundos. Segundo o estudo, anúncios que conseguem essa proeza registram memórias de até três dias. Mas aqui está a grande ironia: 85% dos anúncios não conseguem sequer esses 2,5 segundos de nossa atenção consciente. É como jogar uma pedra em um oceano de distrações. 

Além disso, o estudo de Mathew Zimmerman confirma que, embora nosso cérebro processe uma quantidade absurda de informação (11 milhões de bits por segundo), estamos conscientes de apenas 40 bits. O restante é processado automaticamente, sem nos darmos conta. Assim, o trabalho da mídia moderna é transformar essa avalanche de dados inconscientes em algo que prenda nossa consciência – e, claro, capture nossa carteira. 

Então, entramos no quinto elemento: o contexto. A informação deve ser entregue de forma específica, no momento certo, no local certo. Por isso, os algoritmos garantem que você veja o anúncio da pizzaria enquanto está no trânsito perto dela. E, claro, o toque final: a criatividade. Não adianta apenas jogar um dado na sua frente. Ele precisa ter apelo emocional, te fazer rir, chorar, ou se sentir profundamente visto. Só assim conseguem manter sua atenção por mais alguns segundos preciosos. 

O preço da overdose: atenção fraturada, mente dilacerada 

Claro, tudo isso cobra um preço altíssimo. Somos, hoje, uma sociedade de atenção fragmentada. Levitin já apontava que o excesso de estímulos nos coloca em um estado de “fadiga de decisão”, exaurindo nossa capacidade cognitiva. Para tomar cada decisão – como interagir ou não com um post, se engajar ou ignorar – nosso cérebro se cansa. E o cansaço não é apenas mental, é emocional. As taxas de ansiedade, depressão e estresse são diretamente proporcionais à sobrecarga informacional, segundo estudos recentes de Daniel J. Levitin e de Jean Twenge, psicóloga que trabalha o impacto das mídias digitais na saúde mental dos jovens. 

A atenção constante que nos exigem não nos permite descansar. Somos tragados por um ciclo interminável de notificações, estímulos e decisões que nos deixam mais cansados do que nunca. Estamos distraídos. Isso nos torna menos produtivos, menos criativos e mais ansiosos. Barry Schwartz, em O Paradoxo da Escolha, explica que o excesso de opções nos paralisa e nos deixa menos satisfeitos com nossas decisões, o que se aplica perfeitamente ao consumo de informação na era digital. 

E não podemos esquecer a distância entre o que fomos projetados para ser e o que nos tornamos. Yuval Harari afirma que, durante grande parte da nossa evolução, fomos feitos para processar informações simples e relevantes para a sobrevivência. Hoje, somos jogados em uma guerra de bits, sem defesa ou habilidade inata para lidar com isso. Não somos mais caçadores, somos presas de algoritmos. 

Conclusão: a Filosofia de uma mente saturada 

E aqui nos encontramos, como um navio à deriva em um oceano de dados, lutando para encontrar sentido em meio a tanta coisa irrelevante. O filósofo Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, alerta que estamos exauridos, não pelo trabalho físico, mas pela quantidade massiva de informação que somos forçados a digerir. A grande pergunta que devemos nos fazer é: o que realmente estamos consumindo? 

Se a maior parte da nossa atenção é desperdiçada em segundos de distração, o que sobra para a vida real? A informação que consumimos é útil, ou apenas uma forma de deixar a vida passar sem realmente vivê-la? O que estamos aprendendo que de fato transforma nossa existência? E, mais importante, como podemos recobrar nossa sanidade em meio à tempestade de dados que chamamos de era digital? Talvez a resposta esteja em algo que nossos ancestrais já sabiam: menos é mais.