A morte do passarinho: qual o X da questão na mudança do Twitter?

Até onde o ego afeta o cérebro de uma pessoa ao ponto de prejudicar, inclusive, o sucesso e a velocidade do seu próprio negócio?

Foto: SVM

Muito se pergunta no mundo do marketing, na última semana, sobre os motivos que fizeram o novo dono do Twitter ter matado o logo do passarinho azul.

O intuito aqui é entender as nuances que fizeram Elon Musk mudar uma marca estabelecida e singular para uma marca genérica. Trataremos da mudança do Twitter por X.

As marcas do bilionário dos carros elétricos

Tesla, Solar City, SpaceX, Neuralink, OpenAI, Boring Company e Twitter formam as marcas do conglomerado de companhias de Elon Musk.

Muito se fala que o homem mais rico do mundo, segundo a Revista Forbes, teria alterado a marca do Twitter, ao ponto de tirá-la da fachada do prédio com guindastes, para a marca “X” por este ser um elemento presente em suas empresas. Mas não é exatamente assim que o conglomerado de empresas dele se apresenta.

A letra, que no Brasil ficou famosa com a apresentadora Xuxa, tem mais conexão com a "Rainha dos Baixinhos" do que com as demais empresas de Elon Musk. Talvez seja uma mudança de rota no branding das empresas dele, assim como o ex-bilionário brasileiro, EIke Batista, tentou fazer em suas fracassadas empresas.

Por mais que Musk tenha feito a mudança apenas extraoficialmente, é fato que seu histórico de uso do microblog para criar algumas polêmicas de conteúdos vazios, mas com alta repercussão para sua imagem, não seja uma novidade. Ao que parece, ele realmente puxou o elástico da baladeira contra o pássaro azul.

O Twitter e a sua marca

O Twitter, sem dúvida, é uma das plataformas de mídia social mais icônicas e influentes dos tempos modernos. Com seu caráter dinâmico e formato de microblog, a marca construiu uma reputação sólida entre usuários e consumidores ao longo dos anos.

Do ponto de vista estratégico, o Twitter sempre manteve uma presença distinta no mercado. Sua proposta de valor é única, fornecendo uma plataforma para compartilhar pensamentos e opiniões de forma rápida e concisa. Com um limite de caracteres, os tweets obrigam criatividade e clareza nas mensagens, o que se tornou uma assinatura do serviço. Essa abordagem estratégica definiu o Twitter como um espaço de conversas instantâneas e atualizações em tempo real.

No que diz respeito ao branding, a marca do Twitter é facilmente reconhecível e bem estabelecida. O famoso pássaro azul, que representa o logotipo do Twitter, se tornou um símbolo universalmente associado à plataforma. Essa simplicidade e consistência na identidade visual ajudam a reforçar a imagem da marca e aumentam sua lembrança pelo público. As percepções do usuário sobre o Twitter variam, dependendo da experiência de cada um. Para muitos, o Twitter é um espaço aberto para expressar opiniões, encontrar notícias de última hora e se conectar com pessoas de interesses semelhantes ao redor do mundo. Esse senso de comunidade virtual cria um forte sentimento de pertencimento à plataforma.

No entanto, também houve desafios para o Twitter em relação à moderação de conteúdo e ao combate à disseminação de informações falsas. Alguns usuários podem perceber a plataforma como um ambiente hostil, onde o discurso de ódio e a polarização são prevalentes. Isso pode afetar negativamente a imagem da marca, pois os consumidores podem questionar a eficácia das políticas de moderação e a responsabilidade da empresa em relação ao conteúdo publicado.

Além disso, o Twitter tem sido frequentemente associado a eventos significativos, tanto positivos quanto negativos. Desde campanhas de solidariedade e conscientização até polêmicas e controvérsias, a plataforma desempenhou um papel fundamental em muitos acontecimentos globais. 

Essa conexão com eventos da vida real contribui para a percepção do Twitter como um meio de informação instantânea e uma voz poderosa em questões sociais.

Os dados são o ouro no mundo das big techs

Que Elon Musk não é besta, acho que muitos podem concordar. A sua estratégia arriscada de mudança de marca visa a algo frutífero e, quando estamos no mundo das big techs, a verdade nua e crua é que os dados são o grande negócio. Os números não mentem...

  • Facebook: em 2018, durante o escândalo da Cambridge Analytica, ficamos sabendo que o Facebook valia bilhões de dólares apenas pelos dados que coleta dos usuários. A empresa usou esses dados para segmentar anúncios e personalizar a experiência do usuário, o que lhe rendeu uma receita enorme proveniente de anúncios direcionados.
  • Google: a gigante das buscas e da publicidade online é outra empresa que gera uma receita substancial com seus dados. De acordo com relatórios, a receita de anúncios do Google foi de mais de US$ 146 bilhões em 2020. Em grande parte, graças à capacidade de segmentar anúncios com base nos dados dos usuários.
  • Amazon: também lucra bastante com a coleta de dados de seus clientes. A empresa usa dados para aprimorar a experiência do cliente em sua plataforma de compras online e para oferecer recomendações personalizadas. Isso ajuda a aumentar as vendas e a fidelidade do cliente, contribuindo para o faturamento anual da empresa, que ultrapassou US$ 386 bilhões em 2020.
  • Apple: embora seja mais conhecida por seus produtos de hardware, a Apple também utiliza dados de seus usuários para melhorar seus serviços e oferecer produtos e recursos mais relevantes. A empresa teve uma receita de mais de US$ 274 bilhões em 2020, em parte impulsionada pelo ecossistema de serviços e produtos personalizados.

Esses números impressionantes revelam como os dados se tornaram uma peça-chave na geração de valor para as big techs. Elas utilizam essas informações para entender melhor seus usuários, oferecer experiências personalizadas, melhorar seus produtos e, acima de tudo, direcionar anúncios altamente segmentados.

A visão acadêmica sobre mudança de marca

Em um mundo em constante evolução, a mudança de nome e logo de uma empresa pode ser uma tática essencial na gestão estratégica de marcas para alcançar resultados significativos. Estudiosos renomados em branding e gestão de marcas têm explorado esse tema intrigante, analisando por que e quando uma empresa pode decidir abandonar uma marca famosa e querida a fim de construir uma nova estratégia de sucesso.

Um dos autores famosos que discute esse tópico é Kevin Lane Keller, professor de marketing da Tuck School of Business em Dartmouth. Em seu livro "Administração Estratégica de Marca", Keller enfatiza a importância da consistência da marca, mas também reconhece que mudanças de nome e logo podem ser cruciais em certas circunstâncias. Ele argumenta que, quando uma marca perde relevância com seu público-alvo ou enfrenta uma percepção negativa, a mudança pode ser justificada para reinventar a identidade da empresa e se alinhar melhor com as aspirações dos consumidores. 

Ocorre que essa não parece ser a situação da marca do Twitter. Aqui, temos o primeiro ponto intrigante da estratégia de Elon Musk.

Outro autor de destaque é Al Ries, um guru do marketing e coautor do livro "A queda da publicidade e ascensão do marketing". Ries argumenta que marcas estabelecidas podem ser prejudiciais em certos cenários, especialmente quando a empresa busca entrar em novos mercados ou se direcionar a um público diferente. Nesses casos, uma mudança de marca pode fornecer um ponto de partida fresco e emocionante para criar uma conexão mais profunda com a audiência desejada. Com base em Al Ries, temos aqui uma possível explicação sobre a mudança projetada pelo bilionário, mas fica ainda uma questão incomum, pois a marca do passarinho parece ser do tipo mutável e ampliável de percepção. De todo modo, temos aqui um caminho para entender essa mudança de rota.

Além disso, David Aaker, professor emérito de marketing da universidade da Califórnia, Berkeley, também contribui para a discussão sobre mudança de marcas em sua obra "Construindo marcas fortes". Aaker destaca que, embora seja arriscado abandonar uma marca bem estabelecida, a mudança pode ser justificada quando a empresa deseja refletir uma modificação significativa em sua visão, missão ou estratégia. Essa transformação requer uma nova identidade que ressoe com os valores e expectativas dos clientes. Nesse ponto, temos uma visão mais clara da academia sobre os pontos que o dono da Tesla quer implantar.

Portanto, ao considerar a mudança de nome e marca, as empresas precisam avaliar cuidadosamente a relevância contínua da marca existente, identificar oportunidades de crescimento em novos mercados ou segmentos e entender se a mudança reforçará sua posição no mercado.

Embora seja uma decisão complexa e muitas vezes ousada, quando bem executada, a mudança de marca pode ser uma ferramenta poderosa para impulsionar resultados positivos e garantir a longevidade e sucesso contínuo da empresa no cenário competitivo atual.

Na humilde visão de quem aqui escreve, a mudança não parece ser algo essencial para o sucesso da transformação de rota estratégica do Twitter de Elon Musk. A meu ver, o sucesso do novo rumo poderia perfeitamente acontecer sob a marca do passarinho, mantendo suas percepções construídas desde 2006 quando o microblog foi lançado.

Aaaah Elon Musk...

Como podemos observar, a marca do Twitter não parece ser um elemento que seja detrator da estratégia de Musk para a expansão de serviços que ele pretende implantar. Algumas notícias tratam da hipótese de que o ricaço pretende transformar o antigo Twitter em uma espécie de We Chat ocidental.

Essa possível cópia do grande sucesso chinês permite que o usuário mantenha a sua relação de rede social na plataforma ao mesmo tempo que realiza transações financeiras de forma ampla e ainda agrega uma plataforma de jogos, de transporte, hotéis e até serviços do governo.

Não me parece aqui que a marca dos tweeteiros era um problema, uma vez que a versão chinesa tem o nome da mais básica ferramenta de relações digitais que é o chat.

Aqui fica a sensação de que o ego venceu a estratégia. Até onde o ego afeta o cérebro de uma pessoa ao ponto de prejudicar, inclusive, o sucesso e a velocidade do seu próprio negócio?

Egonomia

Na dinâmica empresarial, é comum observarmos gestores que colocam a valorização pessoal acima dos interesses da própria marca da empresa que representam. Essa abordagem narcisista pode ter consequências negativas para o negócio, e estudiosos da Sociologia e Psicologia têm se debruçado sobre essa questão, oferecendo insights valiosos.

Max Weber, um dos pais da Sociologia moderna, enfatizava a importância de uma liderança racional-legal, na qual as decisões devem ser tomadas com base na racionalidade e no interesse da organização como um todo. Quando o ego do gestor predomina, pode ocorrer uma distorção nessa racionalidade, onde a busca por reconhecimento pessoal pode se sobrepor aos objetivos da empresa.

Em sua pesquisa sobre a psicologia dos líderes, David McClelland destacou a importância da motivação para o sucesso como um fator influente no desempenho gerencial. No entanto, quando o ego se sobrepõe a essa motivação, a busca por reconhecimento e poder pode ofuscar a preocupação com o sucesso da empresa.

Por outro lado, Abraham Maslow, conhecido pela hierarquia das necessidades humanas, argumentou que a autoestima é uma necessidade fundamental do ser humano. Quando um gestor busca ser valorizado, isso pode ser interpretado como uma busca pela satisfação dessa necessidade de autoestima. No entanto, a busca excessiva por essa valorização pode levar a uma negligência dos interesses da empresa, prejudicando seu crescimento e prosperidade.

Em resumo, o ego dos gestores pode atrapalhar a gestão empresarial na busca pela valorização pessoal em detrimento da marca da empresa. Essa busca excessiva por reconhecimento pode distorcer a tomada de decisões racionais e levar a uma priorização equivocada dos interesses pessoais em detrimento dos objetivos organizacionais. É essencial que os líderes reconheçam o impacto de seus egos na gestão e busquem equilibrar seus desejos pessoais com as necessidades da empresa, promovendo, assim, um ambiente saudável e próspero para o crescimento do negócio.

No caso do nosso amigo riquinho, a vontade de parecer o gênio indomável que faz o que ninguém foi capaz de fazer tem colocado de lado uma série de pontos que poderiam ser melhores para os outros e para si. Ocorre que, quando olhamos apenas para nosso umbigo, esquecemos que temos cabeça, ombro, joelho e pé. Talvez, por isso, Xuxa tenha tido mais sucesso que Musk no uso da letra X.

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