O mercado, Catanhêde e patriotas tentam parar o caminhão da realidade

Legenda: Manifestantes protestam contra o resultado das urnas
Foto: Marcelo Pinto

Vivemos dias curiosos no Brasil. Setores da direita e a extrema-direita foram derrotados na eleição e teimam em fazer de conta que isso não aconteceu. Como a icônica imagem, que correu mundo, de um patriota tentando parar sozinho, a unha, um caminhão que furou um dos bloqueios de estradas realizados pelos bolsonaristas inconformados com a derrota, setores da sociedade brasileira parecem querer esgrimir a realidade, parecem querer parar à força o movimento do real. Reacionários, como sempre foram, tentam fazer a roda da história girar para trás, tentam submeter os acontecimentos, autoritariamente, a seus desejos e expectativas. 

Eles tentam fazer com que o futuro repita o passado. Fingem que podem anular os fatos e fazê-los se adequar a seus delírios e interesses. Todos, mesmo setores e personagens que se dizem defensores da democracia, começam a mostrar que pensam como e se sentiam melhor na companhia dos derrotados em 30 de outubro.

Não durou mais do que dez dias a lua de mel entre “o mercado” e o novo presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva. Após uma euforia inicial, provocada pela entrada maciça de capital estrangeiro, em nossa Bolsa de Valores, que levou a uma subida do preço das ações e uma queda no valor do dólar perante o real, eis que essa entidade pretensamente sem rosto, esse sujeito etéreo, entrou em polvorosa e mostrou todo seu mal humor diante de uma fala do presidente eleito que trazia novidade zero. 

Parece que “o mercado”, que na verdade são os investidores e especuladores do mercado financeiro, banqueiros e empresários, parecem ter acordado para o fato de que o presidente irá cumprir suas promessas de campanha, de incluir os mais pobres no orçamento, mesmo que para isso tenha que furar o teto de gastos, mecanismo imposto pelos golpistas de 2016, com a continuidade do qual Lula jamais se comprometeu. Muito pelo contrário, anunciou que acabaria com ele em várias oportunidades, pois esse mecanismo perverso limita a capacidade de investimento do Estado penalizando aqueles que dele mais necessitam: os pobres e as classes médias baixas.

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Os senhores ricos de “o mercado” querem, na verdade, impor a sua agenda e seus interesses a um presidente que se elegeu com outro programa e outra agenda. Como eles votaram em Bolsonaro, como demonstra o fato de que nunca se escandalizaram com as inúmeras vezes que o presidente, mudo e inoperante que temos, furou o teto de gastos, promovendo a maior orgia com dinheiro público que já se viu numa eleição para ver se não era derrotado, querem que Lula continue a governar para eles como o candidato a ditador fazia. “O mercado” não está nem aí para democracia e muito menos está preocupado com os milhões de brasileiros que passam fome e moram nas ruas. 

“O mercado” não tem coração, só tem bolso e por isso não vai se comover com as lágrimas de um presidente que se emociona ao falar que a missão de sua vida é fazer com que todos os brasileiros tomem café, almocem e jantem. Os senhores e senhoras que constituem “o mercado” além de não saberem o que é passar fome, experiência que o presidente eleito conhece de sobra, o que faz dele um mandatário diferente e especial, só querem engordar as suas fortunas, para além da adiposidade de seus corpinhos. 

“O mercado” muito cedo revelou sua face desumana, deixou cair a máscara, deixando explícito que no dia 30 foram todos de Bolsonaro, embora muitos fizessem cara de paisagem, fingissem ser pessoas civilizadas que torciam o nariz para o mandatário que não possui modos muito refinados.

É bom “o mercado” já ir se acostumando, cair na real, que o governo será outro, que ele está diante do político mais experiente e com maior capital político do país, inclusive em termos internacionais e que ele não vai perder a credibilidade junto àquelas camadas sociais que o elegeu para bajular aqueles que ele sabe nunca votou nele. 

Lula irá procurar cumprir o que prometeu, desde que seja politicamente viável e isso significa colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda, ou seja, modificar o sistema tributário brasileiro que penaliza os que ganham menos, os consumidores, em detrimento daqueles que têm renda, fortuna e propriedade, daqueles que vivem da especulação financeira, justo estes que se assanharam depois que viram o presidente reafirmar perante uma plateia lotada de parlamentares que iria cumprir sua promessa de colocar o Estado a serviço daqueles que mais precisam. 

Justo ele, o presidente que sempre teve responsabilidade fiscal, o presidente dos superávits primários, do acúmulo de reservas como nunca visto antes.

O esporte preferido de “o mercado”, e da imprensa que a ele serve, nos dias que correm, é o de tentar adivinhar o nome do ministro da Fazenda. Lançam balões de ensaio, tentam emplacar e vetar nomes que agradariam ou desagradariam “o mercado”, como se Lula tivesse sido eleito para governar para ele e não para governar para todos os brasileiros, principalmente os mais necessitados, como sempre disse em sua campanha. 

Sem terem conseguido emplacar uma terceira via, tendo que irem mesmo de Bolsonaro, aqueles que se escondem sob o anonimato de “o mercado”, tentam enquadrar o presidente eleito, para que ele abra mão de seus compromissos públicos, como o de restabelecer o Bolsa Família no valor de R$ 600,00, como conceder aumento real ao valor do salário mínimo, recompor o orçamento das políticas sociais, gerar emprego o mais rápido possível com investimentos públicos em obras paralisadas e com a retomada do Minha Casa, Minha Vida, paralisar as privatizações de empresas públicas, rever a reforma trabalhista, mudar a política de preços da Petrobras, medidas que trarão muito mal humor “ao mercado”, mas que farão um enorme bem a sociedade brasileira. 

É bom avisar ao “o mercado”, que patrocinou o golpe de 2016, que como vaticinou Dilma, o PT está de volta, para fazer as suas políticas, agora em aliança e com o apoio de uma frente ampla, o que não significa abrir mão de questões programáticas que desagradam aos senhores e senhoras da grana e que se pretendem donos do país.

Quem também voltou a ser como antes foi a jornalista da massa cheirosa, Eliane Catanhêde. Depois de se tornar uma “lulista” de última hora, quando a terceira via naufragou e viu seu emprego ameaçado pelas promessas do Jair em não renovar a concessão do grupo Globo, a jornalista, que ficou órfã desde que o PSDB desapareceu, tragado pelo processo golpista que ele deu origem, processo que foi apoiado entusiasticamente pela colunista da grande imprensa, voltou a demonstrar sua misoginia, seu sexismo, seu conservadorismo, traços que já havia pautado sua atuação no processo de impeachment da primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República.

Agora sua visão retrógrada, muito semelhante à dos patriotas que protagonizam cenas de horror em estradas, ruas, portões e muros de quartéis, se volta contra a primeira-dama Rosângela Lula da Silva (Janja), por ela ter sido indicada para compor a equipe de transição de governo, por ela ter adquirido protagonismo durante a campanha do companheiro a presidência da República. Catanhêde cobra que Janja seja recatada e do lar, modelo de ser mulher defendido pelas senhoras bolsonaristas que têm ataques apopléticos com a “vitória do comunismo”.

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O que dizer dos patriotas que continuam cometendo crimes todos os dias na ânsia de reverter, através de um golpe militar ou de uma intervenção federal (seja lá o que isso signifique), o resultado das urnas. Organizados e financiados por grandes empresários, aqueles que são uma parcela de “o mercado”, as manifestações esbanjam carnes, cervejas e bravatas, no país em que muitos roem ossos e carcaças e não têm nem água potável para beber. 

Personalidades autoritárias não suportam que a realidade não se conforme a seus desígnios, querem através da força e do recurso a ilegalidade modificar um resultado eleitoral que foi considerado limpo e justo por todos os observadores internacionais e por todas as instituições que o avaliou, inclusive as Forças Armadas, que se arvoraram a tutelar o processo eleitoral e a democracia brasileira, atribuições não previstas na Constituição Federal. 

A cena patética de um empresário bolsonarista agarrado na frente de um caminhão, tentando pará-lo sozinho, é daquelas imagens que têm o condão de expressar, de simbolizar um dado momento histórico. O caminhão tem a força da realidade se impondo àqueles que teimam em ficar agarrados a uma versão paralela, a uma versão fake news dos fatos. O desejo de acreditar em dadas fantasias que eles mesmos criam faz com que não parem de pagar micos históricos.

No entanto, essa gente não é apenas motivo de riso ou pena, é preciso atentar para o perigo do crescimento na sociedade brasileira de posições extremistas, anti-civilizatórias e anti-humanistas. Não podemos fazer de conta que não estamos vendo que o núcleo duro do bolsonarismo lança mão de símbolos, estética, slogans, ideias e práticas advindas do nazismo. Cobrar que os comerciantes que votaram em Lula coloquem uma estrela na porta de seu estabelecimento remete claramente ao que ocorreu com as lojas dos judeus na Alemanha nazista. 

Os crimes do bolsonarismo não podem ficar impunes, sob pena dessa serpente se tornar uma hidra de muitas cabeças. É preciso que o caminhão das leis e da Constituição os levem de roldão, os façam pagar por atentar contra a democracia e o Estado democrático de direito, mantra liberal que deveria ser abraçado por nossos pretensos liberais de “o mercado”, que só são liberais na hora de defender seus interesses e negócios, mas que correm para as hostes fascistas sempre que acham que seus privilégios vão ser atingidos por um governo eleito democraticamente.

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