“Tua prima nasceu, vamos para o hospital”. Beatriz ouviu essa frase duas vezes. A primeira quando veio Elisa; a segunda, no chorar de Sofia. Em ambas estava no colégio, concentrada entre cadernos e lições. Lembra de atender serelepe ao chamado da mãe, embora um pouco assustada: uma criança em direção a outras, sem saber o que as aguardava no futuro – quem seriam, quem se tornariam, o que vivenciariam dali em diante.
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A resposta veio aos poucos, mas muito certeira. Surgiram para se fazerem felizes. Beatriz passou a ser chamada de Bibi. Elisa e Sofia, por sua vez, avançaram na escala genealógica: não seriam mais as primas da prima. Seriam as irmãs dela. Ela que se sentia sozinha e quase filha única – tinha um irmão somente por parte de pai. Ela que foi vê-las quando chegaram ao mundo.
As recordações tratam de espelhar a realidade quando Beatriz percebe que o sentimento entre elas sempre foi diferente. Maior. Como quando observou os primeiros passos de Elisa, quatro anos mais nova. A tonturinha dela, pernas muito miúdas em desalinho. Ou quando Sofia se aproximava para dar carinho, e Beatriz retribuía com gosto – afinal, mesmas linguagens do amor, toque, presença e palavras de afirmação.
Houve também aquela vez do aniversário de oito anos, surpresa preparada para Bibi. Elisa e Sofia apareceram disfarçadas, com alguma coisa no rosto. Era uma frase: “Bia, eu te amo”. “Me senti homenageada por esse amor delas comigo – e ainda me sinto”. Depois dali, como sempre, se aninharam e permaneceram juntas. Beatriz ensinando uma coreografia ou outra, Elisa e Sofia aprendendo com a prima-irmã mais velha. Ensinando também.
Porque, crescidas, passaram a acompanhar tudo da jornada uma da outra. Pequenos e grandes problemas, conquistas muito esperadas. Formaturas, empregos, namoros, evoluções. Instantes muitíssimo delicados, por vezes de descrença na esperança. Quando a mãe de Beatriz faleceu – seis meses depois da descoberta de uma leucemia – o trio se fortaleceu. Era uma época muito feliz na vida e, de repente, o susto, a paralisia.
“Tenho a memória da Sofia – menor do que eu, bem magrinha, só a titelinha – me abraçando por trás, de conchinha, e eu encolhida na cama. É como se minha energia não bastasse para me manter viva. E, naquele momento, ela não só me deu muita energia, como me senti realmente acolhida. Aquele dia todo é como se fosse um borrão. Mas, no meio dele, tem esse quadro, a Sofia me abraçando e dormindo comigo. Ela e Elisa me esperaram adormecer”.
Percebe? Cada um a próprio modo corporifica a afeição. Elisa é mais séria, direta, prática, gato preto, administradora. Sofia, semelhante à Bia, tende à delicadeza, ao afago, Golden Retriever, psicóloga. Esta, inclusive, tão católica, disse uma frase que Beatriz nunca esquece, algo sobre a falecida mãe. “Bibi, com certeza a tia Fabíola está num lugar muito bom porque ela foi a pessoa que conheci que melhor imitou Jesus”. São relicários, provas concretas de que amar é ação.
“Aprendo muito com as meninas porque desde pequenas compartilhamos sonhos, desejos e questões. E a gente sabe que cada uma vai fazer de um modo diferente. Então respeito o jeito delas de ser, de viver a vida, de levar as coisas. Aprender sobre a diferença é algo essencial, um ensinamento que, para mim, foi muito rápido porque tinha esse convívio com elas”.
São as Priminhas do Amor. É o nome do grupo no WhatsApp, codinome na medida – lembra até um ditozinho da infância, quando elas falavam “Priminhas do amor - Penico, xixi e cocô”, Elisa apontando que Sofia era o cocô. Por lá elas se falam todos os dias, ainda que geograficamente distantes. Beatriz mora em Juazeiro do Norte, Elisa reside em Fortaleza, Sofia agora viaja pela Europa. Unidas pela linha invisível do gostar.
E enquanto os parentes forem os mesmos, os amigos compartilhados, as rachaduras e vitórias divididas, as fotos de Natal garantidas, haverá três mulheres em movimento de farol, iluminando tudo. É da ordem do umbilical, do fundamental. Que privilégio bonito: ter as melhores amigas na própria família. Priminhas do amor.
“O que a gente viveu até agora é suficiente para ter esse amor solidificado e guardado dentro de mim. E pulsando também. Pois guardado, mas nunca parado”. Afinal, já ouvi falar, nós não nascemos sabendo como amar alguém. Contudo, somos capazes de reagir ao carinho.
Esta é a história da atriz e jornalista Beatriz Duboc e as primas, Elisa e Sofia Duboc, contada neste 26 de setembro, Dia dos Primos. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor