Dançar juntinho por tanto tempo pode dizer muita coisa sobre duas pessoas. Por isso não é raro ver casais que se conhecem no São João e levam a relação pra vida. Difícil é ver noivo e noiva em quadrilha junina avançar com a missão de ser realmente companhia um do outro na rotina diária. Você sabe de alguém? Eu sei: a Niely e o Rafael.
Nasceram umbilicados pela mesma paixão: o São João. Pequeninos, transitavam pela escola de chapéu e pintinhas, cores no vestido e no gibão improvisado. Felizes. Cedo emplacaram quadrilhas no mês junino. Na quadra, pareciam veteranos. Levavam a brincadeira a sério. Anarriê, alavantú, e tudo o que tinham direito.
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Nada desapareceu com o avançar da idade. Fez foi multiplicar. Rafael ingressou oficialmente na quadrilha do tio, a Zé Moringa, no Jardim Guanabara, em Fortaleza. Niely fez o mesmo. Ao mudar de um bairro para outro, na adolescência, tratou logo de se filiar a um grupo junino também. Calhou de ser a mesma Zé Moringa, do Rafael. Foi aí que aconteceu.
Era 2010, e a recém-chegada foi escolhida para ser a noiva daquele ano. Estava orgulhosa, desafio sagrado. O noivo igualmente estava confirmado, fechado em Cristo. Mas, de última hora, não estava mais. Ficou doente, o coitado. Precisava ser substituído. Rafael, que não ia dançar, aceitou o chamado de urgência do tio. Era o melhor no que fazia, não havia opção.
Quando olhou para Niely, reconheceu ser a moça com quem trocava olhares nos ensaios – nas ocasiões em que visitou a turma. Então ela seria a noiva? Prometeu logo a si: se empenhariam para serem imbatíveis. Iriam atrás de sintonia, compasso, encaixe. “Deu certo. Dancei com ele e foi maravilhoso demais”, ela diz.
Tão bom que não findou na quadra. Cada abraço trocado, cada beijo compartilhado, era desejo em canção de permanecer junto. Dançar conforme a música maior da vida. Começaram a namorar. E levaram o romance de novo para os festivais nos próximos três anos, quando, em 2014, ficaram conhecidos nacionalmente: o casal de noivos das quadrilhas juninas eram noivos de verdade, olha só. Ô Santo Antônio poderoso!
Foi tudo culpa de um evento com brincantes de todo o Brasil, realizado na Praia de Iracema. A partir dali, Niely e Rafael viraram grife, uma coisa só. Sinônimo de qualidade e vitória. Títulos e troféus acumulados no avançar da carreira. E o amor, claro: esse que se traduz no pequeno, no detalhe. Gostar é ação.
“É muito doido quando você encontra uma pessoa que gosta das mesmas coisas que você, que tem uma sintonia. Você escuta a zabumba, olha pra ela, e ela já tá balançando o ombro no mesmo ritmo. É uma conexão muito forte”. Essa imagem tão bonita é partilhada por Niely sorrindo. Está ao telefone, gargalhando emocionada. Olha para o presente com carinho.
Hoje, são casados. Moram em Caucaia e têm uma filha, a Ruanna. Apenas quatro anos de idade, mas já toda entregue ao São João. Tal qual o pai e a mãe, se destaca nas festinhas escolares ao roçar a barra do vestido nas mãos e gritar “Olha o túnel”, “Olha a chuva”, “Prepara pro serrote”. Deve ser um privilégio, crescer em meio à alegria.
Namorar nesse contexto também. O que Niely e Rafael levam do São João para o amor é essa energia que desconhece temporada. Sim, junho e julho fervem de tanto entusiasmo e furor. Mas o restante do ano também é tempo de compartir um carinho, um molejo, um xodó. Dois alguéns tão diferentes e tão iguais na medida em que a música dá o tom.
“O Rafael sempre foi muito prestativo e, ao mesmo tempo, brincalhão. Na hora da dificuldade, ele tentava fazer a situação ficar agradável, e até hoje é assim – ainda que, ultimamente, ande um pouco estressado. Mas, na época, tudo era diversão, e ele transmitia aquela alegria, aquela brincadeira. Fazia qualquer momento ser incrível a ponto de eu nem querer voltar pra casa. Queria passar o dia dançando com ele”.
Niely acredita que o parceiro a enxerga da mesma maneira: alguém para dividir os instantes e dar um passo adiante. Bailar até os dois caírem no chão e não aguentar mais – como já aconteceu. Se movimentar em direção à vida, ainda que as coisas digam não.
Neste ano, por exemplo, será tudo diferente para nosso casal. Devido a questões com a rotina, não dançarão quadrilha. Ao invés disso, prestigiarão os amigos nos palcos Ceará adentro. Decerto recordarão de quando ocupavam as quadras e nem pareciam cumprir coreografia. A beleza vinha facilmente, era um prazer dar a mão um ao outro. Agiam feito um só. Preâmbulo do ideal: entrelaçar também os sonhos, os dias e a vida.
“Nossos sonhos pessoais são vários, mas, com relação ao São João, ele tem o sonho de participar da quadrilha Zé Testinha. É o estilo que ele diz ser o verdadeiro São João. Já eu tenho o sonho de dançar na Junina Babaçu, sou mais moderna (risos). Mas ele consegue me levar bem. Cada um com seu jeito e seu olhar, vai dando certo”.
E que ninguém duvide quando o padre disser amém no casamento matuto. Dali pode surgir um bem-querer junino escrito no infinito.
Esta é a história de amor de Niely Teixeira e Rafael de Souza, brincantes de São João. Envie a sua também diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor