Sustentável ou moda? O que está por trás da popularização de copos e garrafas de R$ 300

Legenda: Quando nós, consumidores, não exercitamos o olhar para as investidas do mercado, arriscamos naturalizar gastar o equivalente a 22,6% de um salário mínimo em uma garrafa e estranhar a simplicidade da vida

Em tempos de garrafas e copos térmicos por R$ 320, quem reutiliza recipientes protagoniza “meme”. Recentemente, “viralizou” a foto de um aluno de academia que supostamente reutilizou a embalagem do sabão líquido para beber água durante a prática esportiva.

Independente de ser uma imagem verdadeira e do seu real contexto — ponto sobre o qual esta coluna não se propõe a discutir —, vale refletir sobre o porquê dessa repercussão. A graça pelo tamanho do frasco e o espanto por ser uma embalagem de substância química (algo não indicado) justificam o alvoroço?

Print do meme
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Foto: Reprodução X

Não haveria mais elementos culturais e simbólicos por trás? Eu sei. Está exaustivo tanta problematização e, às vezes, é só sobre rir do inusitado. Mas quando nós, consumidores, não exercitamos o olhar para as investidas do mercado, arriscamos naturalizar gastar o equivalente a 22,6% de um salário mínimo em uma garrafa e estranhar a simplicidade da vida.

Pensemos, por exemplo, que o amor romântico é um dos grandes cases de sucesso do capitalismo. Vende livros, filmes, séries, novelas, músicas, viagens, bebidas alcoólicas e aplicativos… Mas, por estar tão entranhado na nossa cultura, não o identificamos como produto.

Da mesma forma, a pauta da saúde entra nessa esteira da subjetividade comercializada. É necessário beber muita água, disseram. Pronto, como interjeciona o cearense. Os influenciadores digitais aparecem com garrafas e copos gigantes, pululam lojas especializadas nisso. 

O movimento sai da internet e nos cerca. Nas ruas, no trabalho e até na escola dos filhos, é possível ver crianças com garrafas de cerca R$ 300. De repente, você está no shopping personalizando o item com um emoji, carregando o trambolho para todo lugar ou até colecionando esse objeto caro e reutilizável.

Seguindo a manada, sem questionar se era mesmo necessário tanto dinheiro e parcelas para beber água. Por isso, é importante se tornar um consumidor consciente. A discussão não é sobre sair por aí com embalagens de sabão debaixo do braço e atravessar a rua quando vir uma loja de garrafas térmicas, mas propõe refletir sobre como e o que consumir.

Isso fará diferença para o meio ambiente e para o seu bolso. Lembrem-se do copo de geleia, de requeijão e do pote de sorvete. Esses ícones da despensa dos nossos pais e avós não precisam estar com os dias contados. 

No entanto, não se deve transferir a responsabilidade da redução dos impactos ambientais para os consumidores. O mercado e governos devem assumir o compromisso com a agenda ESG. 

Para se ter ideia, segundo o relatório “Fechando a torneira: como o mundo pode acabar com a poluição plástica e criar uma economia circular”, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a poluição por esse tipo de material pode ser reduzida em 80%, até 2040, se os países e as empresas fizerem mudanças profundas nas políticas.

Essa transformação geraria uma economia de 1,27 trilhão de dólares, considerando custos e receitas de reciclagem. Outros 3,25 trilhões de dólares seriam poupados com saúde, clima, poluição do ar, degradação do ecossistema marinho e custos relacionados a litígios.

Mas, calma, não reutilizem o frasco do sabão para beber água

Afinal, usar a embalagem de sabão faz mal à saúde? Esta coluna ouviu três especialistas que alertaram haver riscos. Segundo o químico e doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Aurélio da Silva Francisco, não é indicado utilizar qualquer frasco de produto químico, sobretudo para a ingestão de líquidos e alimentos. 

“Eventualmente, higienizar com água e sabão não é o suficiente. Muitos princípios ativos são pouco solúveis em água e nem sempre o sabão resolve”, explicou.

No caso do sabão em pó, por exemplo, os aromatizantes são à base de óleos, dificultando ainda mais a higienização. 

Aurélio acrescenta também não ser recomendado reutilizar plásticos para armazenar alimentos em razão do processo de degradação. “Você pode ingerir quantidades de plástico ao longo do tempo”, observou. 

A biomédica e professora da escola de saúde da Unisinos, Mellanie Fontes-Dutra, também disse ser importante adquirir uma garrafa reutilizável e própria para o consumo de água.

O professor de medicina Bruno Cavalcante frisou ser crucial se hidratar durante as atividades físicas, principalmente em climas mais quentes, mas ponderou ser necessário ter cautela com as garrafas. 

“Até as ‘garrafinhas’ da moda demandam cuidados regulares de higienização. O fato de usarmos qualquer embalagem para beber água pode, sim, trazer danos à saúde, pois os recipientes podem conter resto de produtos químicos nocivos, em especial se ingeridos e tiverem contato com a mucosa, como a do esôfago”, destacou. 

Portanto, o ideal é que as embalagens de sabão sejam reaproveitadas para a mesma finalidade ou retornem para o ciclo produtivo de artigos químicos (logística reversa) para serem reutilizados de maneira adequada. 

Entenda melhor a temática 4 pontos que você precisa saber



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