Como oferecer cuidado emocional quando a infância acontece em hospitais?

Quando a infância acontece entre jalecos, seringas e internações

Escrito por
Ana Grasieli Lustosa verso@svm.com.br
(Atualizado às 09:02)

A infância costuma ser sinônimo de leveza, brincadeiras e descobertas. Mas, para algumas crianças, esse tempo é atravessado por consultas, exames e longos corredores de hospitais. Há aquelas que enfrentam doenças crônicas ou tratamentos demorados e invasivos. E há também as que, mesmo saudáveis, convivem com a doença de quem mais amam - mães, pais, avós - e crescem vendo seus cuidadores entre leitos e prontuários.

O primeiro passo para oferecer um cuidado emocional é escutar. Crianças que passam por tratamentos médicos frequentes carregam muito mais do que sintomas físicos: sentem medo, ansiedade, raiva, tristeza, cansaço.

Muitas vezes tentam ser “fortes” para não sobrecarregar os adultos. Validar as emoções, nomeá-las e acolhê-las com empatia devolve à criança o direito de ser vulnerável e, paradoxalmente, é isso que fortalece. Quando os adultos silenciam ou minimizam seus sentimentos (“não é nada demais”, “tem criança em situação pior”), a dor não desaparece, apenas fica mais solitária.

Outro gesto essencial é explicar. Explicar o que está acontecendo de forma concreta e compatível com a idade, com palavras simples e verdadeiras. Contar o que vai acontecer no exame, porque será preciso internar, o que esperar da cirurgia.

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Na psicologia hospitalar, chamamos isso de preparo psicológico, que reduz a ansiedade e ajuda a criança a se sentir participante do próprio cuidado.

O desconhecido costuma assustar mais do que a própria dor, e saber o que vem ajuda a criança a sentir que tem algum controle sobre o que está vivendo.

Aqui é importante utilizar do universo infantil, por meio de recursos e materiais visuais (livros, bonecos, desenhos) e metáforas lúdicas (“o exame é como uma câmera tirando fotos por dentro do corpo”), assim é possível transformar o medo do desconhecido em curiosidade.

Nunca se deve esquecer que mesmo em tratamento, uma criança continua sendo criança. Portanto, é preciso garantir espaços de brincadeira, imaginação, criatividade e vínculo, mesmo dentro do hospital. Uma rotina previsível, visitas de amigos, vídeo chamadas com a escola, objetos que lembrem casa, a presença de brinquedotecas hospitalares, o trabalho de pedagogos e palhaços terapeutas: tudo isso protege a subjetividade infantil e impede que a doença ocupe todos os espaços da vida.

E quando quem adoece é o cuidador?

Imagem de quarto de hospital. Uma menina sentada na cama, com pijama rosa e cabelos longos, de frente a uma médica de roupa azul e cabelos claros preso. Elas sorriem e tocam uma a mão da outra
Legenda: Crianças que passam por tratamentos médicos frequentes carregam frequentemente sintomas emocionais como ansiedade, raiva, tristeza e cansaço
Foto: Halfpoint/ Shuttestock

Crianças que acompanham de perto o adoecimento de quem as cuida também precisam de cuidado. Nesses casos, é comum surgirem culpa, medo de perda e insegurança. Por isso é importante que saibam, com delicadeza, o que está acontecendo. Precisam que alguém garanta que continuarão amadas, seguras e cuidadas. Precisam de rotinas estáveis, mesmo que adaptadas, e de espaço para falar sobre seus medos e dúvidas sem serem silenciadas.

Durante todo esse processo é imprescindível uma rede de apoio; nenhum adulto dá conta sozinho.

Ter por perto família, amigos, escola, profissionais de saúde, é fundamental para sustentar emocionalmente a criança e quem cuida dela. Professores e psicólogos escolares podem também ser grandes aliados nesse processo, ajudando a adaptar as demandas acadêmicas e oferecendo um espaço de escuta.

Como já dizia o pediatra e psicanalista Winnicott, “uma criança sozinha não existe”: ela só pode se desenvolver se estiver envolta por um ambiente que a sustente. E isso vale especialmente nos momentos de fragilidade. Porque, no fim das contas, não é só o corpo que precisa ser tratado.

O acolhimento emocional também faz parte da cura. E quando uma criança se sente segura, compreendida e amada, ela desenvolve resiliência e descobre que é possível atravessar tempestades sem perder a esperança.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.