Semana passada, estava a preparar uma das minhas intervenções na aula de geografia urbana e dos serviços. O tema daquele encontro era economia urbana e, para explicar, fiz questão de buscar exemplos em Fortaleza.
Para o início do debate, deixei de lado os hubs e as grandes corporações. Também evitei o mercado imobiliário, o mercado de terras e os processos de incorporação. Da mesma forma, retardei para oportunidade vindoura o e-commerce e as plataformas digitais.
Naquela específica aula, pensei em assunto extremamente próximo aos alunos, manifesto na paisagem e na vivência dos próprios discentes. Entretanto, o que, no reino das mercadorias e dos serviços, seria tão evidente e próximo? Eureka! Que tal tratar do setor das confecções, ou seja, da sua produção e venda?
A Fortaleza turística é também a cidade das confecções. Essas mercadorias agitam a indústria e o terciário. A circulação dos produtos movimenta milhões de reais, emprega milhares de trabalhadores em pequenas oficinas ou em grandes indústrias.
As feiras na rua José Avelino ou os comerciantes nos centros comerciais são o epicentro de um setor da economia urbana articulado em circuito, marcado por etapas e distribuído, diferencialmente, pelo espaço da cidade.
As pesquisas desenvolvidas pelos professores Marlon Santos e Eciane Bezerra traduziram cientificamente esses circuitos da economia e sua expressão em Fortaleza e na região metropolitana. O primeiro desvendou os meandros da produção confeccionista e a segunda demonstrou o impacto das comercialização na paisagem e nos demais serviços urbanos.
Dentre outras descobertas, Marlon Santos evidenciou a concentração da produção na cidade de Fortaleza, com centenas de fábricas cadastradas no anuário Estatístico da Federação das Indústrias do Estado do Ceará. Essas fábricas estão localizadas, sobretudo, nos quadrantes sudoeste e centro-oeste de Fortaleza. As concentrações mais intensas são notadas nos bairros Barra do Ceará, Montese, Vila União, Bonsucesso e Vila Peri.
Marlon também explica como o processo produtivo confeccionista é subdividido, inclusive com a subcontratação de trabalhadores em pequenas oficinas, muitas delas sediadas em residências e a apresentar condições produtivas improvisadas.
A lógica descrita é bem semelhante à situações, por exemplo, de oficinas localizadas no centro de São Paulo, ou em outros países como Vietnã, Índia e Bangladesh.
A produção de moda popular vai abastecer as feiras livres, cada vez mais marcadas pela confecção, e os centros comerciais especializados, também bem comuns na paisagem urbana de Fortaleza. Eciane Bezerra demonstra a força desse mercado.
A pesquisadora detalha o ir e vir dos comerciantes nos logradouros e nos boxes. A ocupação das ruas, capaz de gerar muita dor de cabeça à municipalidade, atrai compradores de várias cidades do Ceará, do Nordeste e até de centros urbanos no Suriname, Guiana Francesa e Cabo Verde.
Os imóveis no Centro da cidade, a título de explicação, passaram por redefinições. Muitos se tornaram áreas comerciais especializadas, outros armazéns para as peças de roupa e até mesmo meios de hospedagem para os sacoleiros e sacoleiras.
Fica demonstrado o impacto desse setor, inclusive dos fluxos não legalizados, na organização da metrópole e do Centro da Cidade. Nesse sentido, o conhecimento produzido pelos dois pesquisadores tem enorme contribuição ao gestores municipais, para elaborarem estratégias públicas de organização, fortalecimento e diversificação da base econômica da metrópole.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.