A disputa simbólica das manifestações nas cidades

Manifesta-se com a intenção de ser ouvido, de demarcar seus interesses e mudar o que se discorda

Legenda: Enganou-se quem pensou que o espaço virtual, as redes sociais e os sítios eletrônicos, substituiriam as passeatas, o corpo a corpo
Foto: Dazo/Shutterstock

As cidades são, por excelência, espaços do encontro, do conflito, das manifestações populares e do exercício da tolerância ao diferente. Aqui e mundo afora, as insatisfações sociais revelam-se em movimentos nas praças, nas ruas e ao redor dos monumentos. Nas urbes, os grupos sociais buscam se fazer valer, exibir suas ideologias e bandeiras nos espaços públicos.

Para descrever a geometria do poder nas cidades e ficar em exemplos retumbantes, poderíamos lembrar dos eventos em maio de 1968 e dos Coletes Amarelos na França, das reivindicações na Praça da Paz Celestial na China, das Diretas Já, das Jornadas de Junho de 2016 no Brasil! e das multidões da Primavera Árabe.

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Via de regra, manifesta-se com a intenção de ser ouvido, de demarcar seus interesses e mudar o que se discorda, em último caso, de promover a “Revolução”. Em ambiente democrático, deveríamos ser tão acostumados às manifestações como somos habituados a assistir futebol.

Na alvorada da terceira década do século XXI, enganou-se quem pensou que o espaço virtual, as redes sociais e os sítios eletrônicos, substituiriam as passeatas, o corpo a corpo.

Ao contrário, os últimos anos confirmaram a relação entre movimentos digitais e sua capacidade de divulgação e de geração de aglomerações. Os partidários desta ou daquela ideia, seguem páginas ou grupos virtuais e alimentam-se, previamente, de manifestos e notícias, nem sempre verdadeiras, retransmitidas infinitamente. As redes sociais tornam-se um avant première para as bandeiras hasteadas nas ruas.

Mais que nunca, a cidade é um território aberto à disputa discursiva e simbólica. Este foi outro equívoco de muitos analistas políticos: não existem apenas cidades rebeldes, existem também as conservadoras. Eles esqueceram que os espaços urbanos reúnem tanto os movimentos progressistas como os movimentos alinhados ao status quo. Fato relembrado no Brasil, sobremaneira, a partir de 2016.

Graças à DEMOCRACIA, os diferentes segmentos sociais lutam por produzir, a sua imagem e semelhança, espaços de representação nas cidades. Em Fortaleza, a Avenida da Universidade e a Praça do Ferreira são preferidas pelos segmentos mais progressistas; enquanto, a Praça Portugal e a Avenida Beira Mar são atualmente captadas pelos estratos mais conservadores.

Em outras cidades, o mesmo espaço pode ser disputado em distintos momentos, como ocorre com a Avenida Paulista em São Paulo. Isso tudo é conveniente com os preceitos do estado de direito e com um país que respeita a divergência política.

Nesse quadro, o grande paradoxo são as manifestações que lutam pelo fim das manifestações e buscam silenciar o outro. A ninguém é dado o monopólio do espaço público e das demais instituições republicanas. Quem teme as reivindicações democráticas expressas nas aglomerações citadinas? Recomendo a construção intelectual de um amigo: “só o déspota tem ojeriza ao grito dos insatisfeitos, dos excluídos”.

Depois do 7 de Setembro, contrárias ou favoráveis ao governo, outras tantas manifestações ocuparão as cidades. Nos limites da letra constitucional, é preeminente a manutenção da cidade como espaço de reivindicação. Se o descontentamento permanecer, manifeste-se. Mas ao outro seja dado o mesmo direito. Não precisamos de cidades cerceadas ou autoritárias. O país melhora se construirmos, juntos e continuamente, cidades abertas e democráticas.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.