A dor da alma e a psiquiatria

A sociedade está doente e precisa de ações concretas de cuidado; nós, profissionais de saúde mental, temos que expandir nossas pesquisas e ações para incluir o coletivo

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Foto: Pexels

Participei na última terça feira, dia 7 de maio, do congresso da Associação Americana de Psiquiatria em Nova York. O tema central era como tratar e prevenir as dependências químicas. Muitos profissionais e muitos temas foram discutidos: “o impacto das mudanças climáticas na saúde mental, a violência nas escolas e na sociedade, burnout, suicídio, fake news, teorias conspiratórias, genocídio...”

Estes temas traduzem o mal-estar de toda a humanidade. A sociedade está doente e precisa de ações concretas de cuidado. A evolução das sociedades favorece ao isolamento, intolerância, sectarismo, estresse, medo, e tudo isso agravado por um modelo econômico neoliberal marcado pela avidez de lucros e benefícios. Este modelo econômico tem destruído recursos socioculturais, comprometido o vínculo social e atingido a saúde mental de todos, tonando precária a existência física, psíquica, econômica e social.

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O brasileiro e o cidadão do mundo estão nos seus limites de tolerância. Sua saúde mental está abalada, já que a capacidade de conviver consigo mesmo, com os outros, com a natureza, foi cerceada por intrigas, mentiras, fake news, distorções da realidade e polarizações assassinas que provocam rupturas de vínculos afetivos e de sangue. Famílias divididas, amizades desfeitas, agressões gratuitas...

O momento é de reparar e curar danos e promover a saúde mental. O desenvolvimento tecnológico tem se construído em detrimento da nossa dimensão humana. A covid atingiu as economias dos países ricos, mas revelou a fragilidade da humanidade que arrisca desaparecer através das desigualdades produzidas por uma economia predatória. São necessárias ações globais, que possam não apenas reduzir os danos causados, mas sobretudo iniciativas de prevenção e promoção da saúde mental de nossas populações.

É tempo de expandir o sentido de desenvolvimento para todos e para todo o Planeta. Neste congresso apresentei a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) como um modelo de intervenção psicossocial, nascido no Ceará, incluída como política publica pelo Ministério da Saúde, e que está presente em 47 países. A TCI é uma oportunidade para cuidar de si, da comunidade e do planeta. É um espaço de troca de afeto que humaniza as relações, promove empatia, constrói vínculos mais saudáveis que podem dar início à reconstrução do tecido social tão dilacerado por quem deveria cuidar.

Participantes do Projeto 4 Varas em atividade realizada em círculo
Legenda: Neste congresso apresentei a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) como um modelo de intervenção psicossocial, nascido no Ceará, incluída como política publica pelo Ministério da Saúde
Foto: Bruno Gomes

Nós, profissionais de saúde mental, precisamos expandir nossas pesquisas e ações para além de nossos consultórios e incluir o coletivo, promover a saúde, intervir nos determinantes sociais que geram adoecimento, em vez de apenas combater doenças. Prevenir é chegar antes da doença. Reconhecemos que a medicina tem feito grandes avanços no tratamento de patologias intracelulares e intrapsíquicas.

A psiquiatria tem transformado a vida de muitas pessoas, antes condenadas e estigmatizadas. O desafio, agora, é encontrar “remédios” para os transtornos do conviver consigo mesmo, com os outros e com o planeta, promovendo uma vida saudável para todos. Não há medicamentos químicos ou vacinas para esta “doença”, nem laboratórios farmacêuticos interessados neste investimento.

Será através de uma política pública inclusiva que construiremos uma nova sociedade para nossos filhos. A família tem um papel importante. Nossa primeira escola é a família. Nela aprendemos a nos relacionar, a respeitar os outros e a natureza. É hora de dar início a uma nova primavera. A superação desse desafio deve ser obra de todos nós, indivíduos, famílias e profissionais da saúde e da educação.

A saúde mental inclui a psiquiatria, mas a ultrapassa largamente, com um campo bem mais vasto referente a todos os domínios da vida social, familiar, escolar, trabalho, instituições sociais e sanitárias da vida cidadã. Somente o amor gera autonomia e protagonismo! A palavra "feliz" vem do latim, Félix, "fértil". Ser feliz é sentir-se fértil.

Convido a todos a fertilizarem o caos social e familiar, pelo amor à vida das pessoas, da natureza e do Planeta. Como diz Clarice Lispector: "Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe".

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