Framing Britney Spears: a vida de princesa é uma prisão que envolve machismo, abuso e misoginia

Costumam dizer que o sonho de toda garota é ser uma princesa ou ainda uma grande estrela. Esquecem, porém, que o sonho de toda e qualquer mulher é ter sua vida e existência respeitadas. Ser princesa não vem dando certo já há bastante tempo. Não deu certo para Diana, não deu certo para Meghan e não deu certo para Britney Spears

A princesinha do pop conquistou aquilo que é chamado de "American Dream". Tornou-se uma das maiores estrelas pop do mundo, viu seu nome estampado em todos os lugares, namorou aquele que parecia ser o seu príncipe, ganhou rios de dinheiro. Mas perdeu o mais importante: a sua independência. E por uma culpa que tem muito mais a ver com o que a sociedade faz com as mulheres do que com ela mesma.

O documentário Framing Britney Spears expõe o que há de mais perverso no universo da fama e como ele consegue ser ainda mais cruel com as mulheres. Não há lugar seguro para nós, nem sob holofotes e nem conquistando o próprio dinheiro. Este, aliás, foi a forma mais eficiente de encontraram de tirar Britney do controle da própria vida.

E todos os pedidos de socorro as quais ela tentou gritar não foram ouvidos. 

Mas este é um projeto arquitetado há muitos anos, como mostram as cenas exibidas no documentário. Criança, Britney era exposta a perguntas sexistas, tais como questionar se ela tinha namorado quando estava na TV mostrando seu talento como cantora mirim. 

Para além do absurdo que é fazer qualquer questionamento sobre sexualidade e relacionamentos para uma criança, que deveria ter a sua infância preservada, se essa criança for uma menina ainda há o peso de que ela não deveria estar ali se divertindo tentando ser uma artista. O que mais importa é que ela sonhe em casar, pensam. Esse deveria ser o sonho de todas as mulheres, dizem eles. 

Legenda: O documentário mostra o que sucedeu à decisão de Britney em raspar a cabeça. O desejo de não ser mais tocada, de a deixarem em paz faziam parte.
Foto: reprodução

As semelhanças com o documentário de Sandy e Junior, por exemplo, não são meras coincidências nesse quesito. A brasileira também foi exposta a diversos questionamentos sobre namoros na televisão quando lá ia para exibir seus dotes vocais. Perguntas essas feitas por homens adultos, na idade de serem avôs de cada uma delas.

No Brasil ou nos Estados Unidos, a sexualização de crianças sempre esteve exposta a olhos vistos, tratada como uma "brincadeira". De inocente, sabemos, apenas as crianças ali expostas, visto que quem as questionava já estava há anos na estrada da experiência. 

Tal qual Sandy, Britney teve a sua virgindade pautada, questionada, exposta e vigiada. Sim, a intimidade de uma garota era a capa de revistas e principal pauta de entrevistas. Bem como o lençol branco sujo de sangue colocado na janela, a virgindade de Britney era assunto discutido e pertencia a todos, menos a ela. 

Não é não

A cada cena do documentário, as situações pelas quais a pop star já passou soam cada vez mais absurdas. Porém, nem para todos. Uma das cenas mais chocantes é ver um dos paparazzi que mais a perseguia dizer: "ela não pedia para parar, ela parecia gostar". Ao ser indagado que, sim, ela pediu para parar várias vezes, o fotógrafo insiste: "mas ela não dizia que era para sempre, era só naquele momento". Esse diálogo leva você, que lê, para quais lugares? Sim, para o abuso

Já sabemos o quanto situações de abuso, dos mais diversos tipos, tem a legitimidade da narrativa da vítima questionadas a partir do que ela tenha dito, ainda que tenha falado a palavra mais simples de ser compreendida. "Ela até disse não, mas era pra fazer charme", "Ela negou, mas eu vi que estava gostando", "Ela não gritou", entre infinitas retóricas do absurdo para o injustificável. Não, sabe-se, é não. Menos se for dito por uma mulher, pelo visto. 

O tal príncipe, como todos os outros, mostrou-se mais um homem a gozar dos privilégios que os é oferecido. Justin Timberlake, que aproveitou de todo o bônus que namorar a princesa do pop trouxe para a carreira, ajudou a detonar a bomba pela qual a audiência estava sedenta. Transformou o relacionamento dos dois em música e videoclipe criando uma máscara de infiel para Britney.

O pedido de perdão? Somente 20 anos depois, junto com o lançamento do documentário. Algum prejuízo para a carreira de Justin? Nenhum. Para a dela? Vários. E não é a primeira carreira de mulher que Justin colaborou em destruir, basta lembrar do episódio com Janet Jackson.

Legenda: O namoro de Britney e Justin parecia perfeito, mas a atitude de Justin pós-termino colaborou com os ataques sofridos pela cantora. O pedido de desculpas só veio 20 anos depois.
Foto: Reprodução

O alto do palácio é uma prisão 

Britney, durante toda sua trajetória até aqui, experimentou o peso da misoginia e do machismo. Seja lá qual fosse a sua decisão, o peso da crítica surgia de todos os lados. Ela não podia ser sensual, mas também não podia ser virgem; Não podia  parecer  jovem demais, porém não pôde envelhecer; Não podia engordar, mas nem emagrecer muito; Não podia sorrir demais, muito menos chorar; Não podia curtir, mas não podia ser mãe; Não podia ter desejos, não podia ganhar dinheiro, não podia cuidar da própria vida... não pôde. 

Na real, não há espaço para mulheres terem sonhos de princesa, pois este lugar sempre foi de enclausuramento. Espero que Britney e todas nós encontrem sua própria liberdade. 



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