Dizem que no dia do juízo final somos apresentados à todas as nossas atitudes na terra, em um grande vídeo que passeia pela nossa história, nossos erros e nossas conquistas. Há quem tema tanto por esse momento que dedica a vida a buscar agir sempre pelo lado mais correto, e as atitudes negativas tenta esconder debaixo de um pano em que ninguém vai ver.
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Mas aí, se nesse tal dia, não tiver como esconder tudo o que você fez? E se, de fato, você estiver mesmo sendo filmado 24h por dia e tudo o que você falou estiver registrado, gravado e guardado para te mostrar quando o dia chegar? Como você vai se sentir quando assistir à sua trajetória?
O documentário "A Vida Depois do Tombo" é o purgatório da Karol Conká. Se a quase totalidade de rejeição dentro de um jogo buscou determinar que aquela vida ali havia encerrado, o documentário que estreou hoje no Globoplay traz o momento da exposição ao julgamento. Dessa vez, o da própria.
Passeando pela trajetória pessoal e artística da rapper de Curitiba, o doc se propõe a explorar as camadas que compõem Karol. Complexa, como todos somos, a artista mostra que há muito por trás das condenáveis atitudes que tomou dentro da casa vigiada.
Grande parte da produção traz a rapper em um grande estúdio rodeada por imensas telas com as imagens de sua conturbada e perturbadora passagem pelo reality. Como num purgatório, Karol é levada a responder questões sobre cada evento e assiste à edições de sua passagem. Nada, porém, que ela já não tivesse visto antes, e acredito que o documentário poderia ter investido em cenas que foram pouco divulgadas, para que ela pudesse falar para além do que já ouvimos.
Sobre o BBB, de fato, não há novidades na fala da artista. Demonstra estar arrependida, em busca de reerguer-se e envergonhada da sua passagem. E o que mais poderia ser dito?
É curioso, porém, observar a montanha-russa emocional com o passar dos dias. No início, não tão consciente da dimensão que tudo havia tomado, Karol ainda tenta achar outros culpados, dizer o que a equipe deveria ou não ter feito e ensaia o discurso para entrevistas. Com o tempo, a ficha cai e a curitibana entra em uma análise mais profunda de sua própria personalidade.
A passagem de Lucas Penteado é, sem dúvida, a que acrescenta a dose de emoção que se espera de um documentário do tipo. Ao associar o relacionamento conturbado com o participante com a do próprio pai, as cenas passeiam por uma história de muita dor e feridas ainda abertas. Lucas desiste de ficar frente a frente com Karol, mas envia um vídeo ao qual é muito difícil ficar indiferente.
As cenas com o ator, aliás, são as únicas que fazem Karol chorar no estúdio - e, provavelmente, também as únicas que podem emocionar quem assiste.
Ao contrário, porém, do que se acreditava ser o conteúdo da produção, há pouca "passagem de pano" para os 30 dias de confinamento, mas há espaço para observar a complexidade de cada acontecimento. Algo como a clichê frase "não justifica, mas explica".
Com uma passagem tão avassaladora e sendo uma personagem tão conturbada, Karol extrapolou todos os muros que o BBB constrói para o programa. Ainda que vários outros assuntos tenham ganhado repercussão junto com o reality, a necessidade de acompanhar e documentar os dias seguintes de um participante é inédito. Algo não inédito, porém, é a participação de personalidades controversas. Já houve, por exemplo, vencedores do reality com falas e atitudes condenáveis. Mas há uma diferença entre eles e Karol, e acredito que você deva saber qual é.
Não sei o quanto o documentário fará diferença na reconstrução da imagem da Karol Conká. A produção deixa em aberto a avaliação do público e é provável que poucos se deixem levar pela narrativa, já que foram feridas profundas as tocadas pela participante. E, talvez, pegar a experiência da produção pode ser para, mais do que saber o que Karol fará depois do tombo, refletir o que você mesmo faria se visse a sua história ao seu redor.
Voltaria para fazer diferente ou avançaria para seguir em frente?