Mapeamento do Guariba-da-Caatinga

Pesquisadores parceiros da Associação Caatinga trabalham para salvar a espécie da extinção. O primata está seriamente ameaçado na Reserva Natural Serra das Almas

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(Atualizado às 13:27)

A notícia foi recebida com muito otimismo e entusiasmo. Pesquisadores parceiros da Associação Caatinga conseguiram localizar, pela primeira vez, um grupo de primatas da espécie Guariba-da-Caatinga, ou Alouatta ululata, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Serra das Almas, localizada entre os municípios Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). É muito bom ter esses animais por perto. E o motivo é simples de explicar: essa é uma espécie que vive uma fase crítica com a ameaça de extinção.

A descoberta foi comemorada. E, foi a partir dela, que começou um estudo realizado por uma equipe liderada pelo doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Robério Freire Filho, especialista em pesquisas com primatas. Cearense, formado pela Universidade Federal do Ceará, Robério já trabalha com primatas desde 2010. Ele trabalhou no norte de Minas Gerais, com o Muriqui-do-Norte, nos fragmentos de Mata Atlântica da Paraíba, com o Macaco-prego-galego, que é uma espécie de macaco ameaçado de extinção naquela região. E agora, há três anos, vem trabalhando no Piauí e no Ceará, com o Guariba-da-Caatinga que, em alguns locais também é conhecido como Capelão.

Mapear a espécie não foi um trabalho fácil. O macaco Guariba-da-Caatinga vive em locais de difícil acesso. Ele pode ser encontrado no Ceará, no Piauí e no Maranhão. Aqui no Ceará, é uma espécie que está restrita à parte mais íngreme da Serra da Ibiapaba. Uma área com verdadeiros paredões de quase 180 graus. Mas como eles vivem nas árvores, são animais arborícolas, se alimentam de frutos, folhas, sementes, flores, cascas, conseguem viver bem nesses ambientes onde as dificuldades de acesso também dificultam o desmatamento para o cultivo e a caça. A pressão de caça é um fator que elimina muito as populações. 

O Guariba-da-Caatinga costuma viver na parte superior de árvores que vão de 10 a 15 metros, mas ainda assim é alvo dos caçadores que se deixam seduzir por algumas informações sobre a carne do animal e algumas místicas. “Algumas pessoas ainda dizem, relatam que a carne da guariba é uma carne que pega tempero muito fácil e você se localizando numa área de difícil acesso, distante de mercados e possibilidade de compra, uma carne que pega tempero fácil é uma carne interessante porque com pouca coisa ela fica gostosa. Também tem algumas místicas em relação ao uso do osso hioide que fica localizado abaixo da mandíbula do animal. Esse osso especificamente é mais desenvolvido do que em nós humanos, por exemplo, e esse osso ele funciona como uma caixa de amplificação do som e as pessoas costumam utilizar esse osso para beber água quando estão com algum tipo de doença pulmonar e respiratória”, frisa o pesquisador.

Caça e habitat

A ocorrência do Guariba-da-Caatinga, no entanto, poderia ser muito maior no Ceará. “A distribuição atual está muito restrita, muito limitada. No Maciço da Meruoca ele já não ocorre, apenas em alguns pontos como na Serra no Coreaú, em Massapê, mas situações muito pontuais, muito restritas, populações muito pequenas e extremamente ameaçadas pela caça que ainda existe no Ceará e pela perda de ambiente,” diz o doutorando Robério Freire Filho. Os estudos até agora realizados apontam que as populações são maiores na região do Delta do Rio Parnaíba, no estado do Piauí, por causa da presença de várias Unidades de Conservação e também na região centro-norte daquele estado.

Para realizar os estudos, aqui na RPPN Serra das Almas, os pesquisadores utilizaram 10 armadilhas fotográficas. São câmeras que funcionam por sensores que captam o movimento e o calor dos animais. Pelos registros dessas câmeras é possível chegar a uma análise de que a população de Guaribas-da-Caatinga na Serra das Almas é pequena. Provavelmente de 10 indivíduos, mas a situação tende a melhorar do ponto de vista populacional. 

Robério Freire Filho explica que, também é fato, que atualmente existe uma relação que pode contribuir para a preservação da espécie. E o homem tem um papel fundamental nessa relação. “As pessoas de um modo em geral, hoje têm uma relação harmônica, seja ela positiva porque em alguns elas acham bonitos. Em algumas localidades do Ceará e do Piauí, as pessoas acham bonita a vocalização, é um bicho que vocaliza bem alto, dá para você escutar a dois ou três quilômetros de distância. E é uma vocalização que dura em média de cinco a dez minutos. É uma vocalização duradoura, então quem mora próximo de uma população, de um grupo de guaribas, ele escuta isso quase que diariamente, de manhã, no início do dia, e no final da tarde que são as horas mais amenas” conclui o doutorando responsável pela equipe que também conta com o trabalho de Bruna Teixeira, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFPE; Thabata Cavalcante, bióloga; e Bruna Bezerra, professora do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFPE. 

Futuro do projeto Guariba

A ideia dos pesquisadores e da Associação Caatinga é seguir com o monitoramento da espécie e contabilizar precisamente o número de Guaribas-da-Caatinga na Serra das Almas. O  Projeto Guariba foi criado em 2016. A proposta surgiu a partir da pesquisa de mestrado de Robério na Universidade de Lisboa e, nos dias de hoje, é financiada pela Rufford Foundation com o apoio do Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB).

O trabalho do grupo é dividido em três eixos: produção científica, educação ambiental com as comunidades locais das áreas de ocorrência da espécie e divulgação através das redes sociais. Dentro desses ramos, o projeto também analisa as unidades de conservação que resguardam Guaribas-da-Caatinga e propõe novas áreas protegidas em locais estratégicos para a preservação do mamífero.
Para finalizar, Robério explana que o projeto vê o Guariba-da-Caatinga como uma espécie guarda-chuva, ou seja, um bicho que ao ser protegido irá, por consequência, conservar outras espécies. “De fato é um bicho que precisa de um ambiente com um estrato arbóreo, precisa de uma condição boa para poder existir. Se não for um ambiente florestal, ele não ocorre. Ou seja, em um ambiente como este, várias outras espécies são conservadas”, conclui o líder do grupo de pesquisadores.