Editorial: Repertório de horrores

Verdadeiro repertório de horrores e iniquidades é visto descortinar nas frequentes notícias de casos de violência contra as mulheres. Não são poucos os recursos usados para submeter as vítimas a atos bárbaros, tão extremos que, em não poucas situações, é concretizado o feminicídio.

Mesmo que não se vá além dos crimes noticiados no espaço de uma semana, o inventário será suficiente para provocar veemente indignação e náusea. Nem equer é preciso detalhar o que há de mais sombrio em cada um dos episódios, de banalização da violência e absoluto desrespeito às mulheres.

No interior, religiosos – de duas confissões diversas – se valeram do poder e da influência que lhes outorga o espaço ocupado para abusar de devotas – nos dois casos, incluindo menores de idade. Os casos guardam semelhanças com um terceiro, de um conselheiro tutelar que, aproveitando-se do acesso a crianças e adolescentes que sofriam com negligência parental, abusou de duas meninas. Uma mulher foi morta e enterrada no quintal de casa. O suspeito é o homem com quem foi casada por 14 anos. Outra foi morta na frente dos dois filhos, ainda crianças, pelo ex-companheiro. Uma terceira foi assassinada em praça pública. E uma quarta morreu, após ser raptada e espancada com um grupo de amigas.

Relatos assim não estão distantes daqueles que se colhe em tempos de guerra, quando se instalam estados de exceção e o regramento, legal e moral, ameaça sofrer colapso diante da incapacidade dos governos de controlarem a violência além das linhas de frente. Acontece que não se vive uma guerra no Ceará. A palavra costuma ser evocada para nomear o enfrentamento de facções, e o confronto do Estado com elas, mas nos casos citados – com raras exceções – não há participação ou influência de integrantes do crime organizado.

Evidentemente, as mulheres não estão a salvo do morticínio provocados pelas facções criminosas. O aumento no número de mortes do gênero, nos últimos três anos, nas regiões Norte e Nordeste, é creditado por pesquisadores ao aumento da tensão e, consequentemente, dos conflitos entre estes grupos. Mesmo neste contexto, não se deve descartar o papel da misoginia na violência que se abate sobre as vítimas.

A recorrência de episódios de flagrante desrespeito aos direitos básicos das mulheres indica que crimes do tipo não podem ser tratados de forma pontual. É importante que sejam tratadas estratégias que coíbam as ações hostis e abusivas, aconteçam elas em espaços públicos ou privados. Assim como se dá em outras áreas cobertas pela segurança pública, nesta, também, deve-se trabalhar de forma preventiva, recorrendo não apenas ao aparato policial, de inteligência e de repressão.

É preciso fazer ruir as estruturas usadas por abusadores para se esconderem à luz do dia. As vítimas precisam ser acolhidas, ouvidas e devem receber garantias de proteção. Não são apenas os agressores os vetores da violência, mas toda sorte de preconceito, sexismo e julgamentos morais que relativizam a condição da vítima, tentando imputar a ela a responsabilidade pelo que sofreu.

A sociedade e o Estado precisam garantir que a misoginia e os crimes graves, por ela motivados, não terão guarida, nem estarão livres de punição.