No decorrer dos anos 20, do século passado, surgiu em Fortaleza um misterioso bode que tomou conta da cidade e logo se tornou popular entre os noctívagos e boêmios. Foi batizado de Ioiô. Contemporâneo do "bodinho da dona Libânia" e, obviamente, com as mesmas características, guardava, contudo, duas diferenças essenciais no seu DNA: a ausência do furor erótico e ser um feliz e distinto celibatário. Consta que chegou a Fortaleza, acompanhando os retirantes que fugiam da fome e da seca do quinze, e foi adquirido por um abastado fortalezense de nome José Porto que residia na Praia de Iracema.
Diariamente, o bode saltava a cerca de sua moradia e se dirigia à Praça do Ferreira, onde passou a fazer ponto, ganhando a amizade dos inúmeros boêmios que ali também frequentavam. O caprino adorava cachaça e não dispensava um bom tira-gosto. Perambulava pelas ruas centrais e era querido dos poetas, escritores e seresteiros que festejavam o amor, as mulheres e as noites de lua cheia. Chegou a participar de atos públicos e consta que cortou a fita inaugural do Cine Moderno. Dizem que frequentava o Theatro José de Alencar, a Câmara Municipal e até passeava de bonde. Das inúmeras estórias que contam de sua vida, há a do proprietário de um bar que, incomodado com a presença do bode no interior de seu estabelecimento, propôs à roda dos boêmios e fregueses fazer um churrasco do bode.
A resposta dos boêmios foi surpreendente: - como "assassinar um "companheiro" de boemia e churrasquear sua carne? Ali ninguém era antropófago". E abandonaram o local para sempre. O extraordinário caprino faleceu em 1935, e a cidade chorou de emoção ao bode muito querido que até fora eleito vereador. Seu corpo foi empalhado e ainda hoje é destaque no Museu do Ceará. Sua vida foi contada no filme inacabado "Um bode chamado Ioiô", cujo enredo relata a deposição do governador Nogueira Accióly. O historiador Raimundo Girão disse que "o bode Ioiô era um cidadão como outro qualquer". Inegavelmente, o bode Ioiô foi o primeiro "sem teto" da Praça do Ferreira e, por isso, podemos considerá-lo "o patrono dos sem teto" desta querida praça.
Rui Pinheiro Silva.Coronel reformado do Exército