Conheça Um Defeito de Cor, livro de Ana Maria Gonçalves homenageado pela Portela

O livro publicado há quase 20 anos conta a história de Kehinde, uma africana trazida para o Brasil na infância para ser escravizada

Escrito por Agência Brasil/Diário do Nordeste ,
Escritora participou de ensaios e desfilou na escola de samba
Legenda: Escritora participou de ensaios e desfilou na escola de samba
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Reprodução

A escola de samba Portela desfilou entoando o enredo "Um Defeito de Cor", em referência ao livro de mesmo nome da autora Ana Maria Gonçalves, de 2006, na madrugada desta terça-feira (13), no Rio de Janeiro. A obra faz uma homenagem às mães negras e o samba-enredo foi premiado como o melhor de 2024.

O livro publicado há quase 20 anos conta a história de Kehinde, uma africana trazida para o Brasil na infância para ser escravizada. Na juventude, a mulher comprou a própria liberdade e participou de movimentos relevantes para o povo negro. Contudo, ela teve uma perda importante.

Kehinde precisou deixar um filho no Brasil, vendido como escravizado, e o livro mostra uma carta escrita por ela para o menino após décadas de separação. Durante o desfile, o samba coloca a resposta emocionada do filho para a mãe. Essa "continuação" da história foi aprovada pela escritora.

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“O samba-enredo não é exatamente uma adaptação do livro. É uma conversa com a história que está sendo contada no livro, adaptada para uma realidade que a gente vive no país até hoje. Vai ser uma grande homenagem às mães negras, principalmente àquelas que, por vários motivos, não puderam criar seus filhos. Algo que a gente vê desde a escravidão”, refletiu Ana Maria Gonçalves, em entrevista à Agência Brasil.

A personagem principal é rebatizada e Luísa no Brasil e acompanha situações violentas e dolorosas, comuns no período da escravidão, como sequestro, estupros e mortes. Ela conseguiu voltar para a África, mas seguiu com a dor da saudade do filho. Kehinde idosa, já cega, voltou para o território brasileiro em busca do menino.

Impacto do livro na Sapucaí

Ana Maria entende a oportunidade de ter a obra representada pela escola de samba como uma forma de levar novas perspectivas sobre a história da população negra no Brasil, onde "a maioria dos carnavalescos é branca".

"Ao falarem da história do povo negro no Brasil, muitos acabavam apresentando questões muito estereotipadas. Eu, como mulher negra, estava extremamente cansada de ver apenas sofrimento na avenida. Ao se falar de escravidão ou de negro, só a parte ruim se destacava. Era navio negreiro, chicotada, castigo. E a gente tem muito mais a apresentar e a falar da nossa história”, defendeu.

É muito importante Um defeito de cor estar na avenida através da Portela, a escola mais antiga, a mãe de todas as escolas de samba, com dois carnavalescos negros que sabem do que estão falando. Torço para que tenha um grande sucesso e a gente possa contar cada vez mais com essa união de literatura e escola de samba nos próximos anos.
Ana Maria Gonçalves
Escritora

Além da Portela, Salgueiro, Grande Rio, Porto da Pedra e Imperatriz Leopoldinense também levaram para a Sapucaí enredos baseados em livros.

“O samba vai fazer com que mais pessoas se interessem em ler o livro. A literatura ganha por conseguir formar um público leitor que a gente não alcançaria se não fosse através do samba, da música e do carnaval. E o carnaval ganha com a possibilidade de renovação das histórias que vêm contando. E principalmente, ao trazer histórias como a do livro Um Defeito de Cor, que falam do povo negro do Brasil”, destacou Ana Maria.

Atuação na Portela

A escritora participou de quase todos os ensaios da Portela, que aconteciam de duas a três vezes por semana, e desfilou em uma das alas da agremiação. Com a experiência, passou a ser torcedora da escola.

“A literatura é uma das artes mais elitistas, principalmente no Brasil. Uma grande parte da população não consegue comprar livros, porque são muito caros. Existe um mito de que o público mais simples ou mais pobre não quer ter acesso à literatura. Isso é uma grande mentira”, refletiu sobre a contribuição do carnaval para ampliar o debate. 

“Acredito que o samba vai ajudar a popularizar uma série de pautas que a gente vem tratando em meios como a literatura, e pode chamar a atenção de outros carnavalescos. Popularizar a literatura é um dos grandes sonhos de todo escritor contemporâneo, que conta as histórias que eu conto”, concluiu.

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