Editorial: Diagnóstico e prevenção

No século XX, houve um esforço da comunidade internacional no sentido de atualizar o status de cidadania das crianças, relegado e mesmo vilipendiado nos séculos precedentes. Os indivíduos ainda na infância, entendeu-se, deviam não somente gozar os direitos que uma sociedade propicia a todos os seus cidadãos, como ser protegido por suas instituições, dada a sua condição de natural vulnerabilidade.

Há pouco mais de 60 anos, em novembro de 1959, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança. O documento foi sucedido, quatro décadas depois, pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes de todo o mundo, também gestada no âmbito das Nações Unidas. O documento, do qual o Brasil é um dos signatários, traz garantias de direito à vida e à liberdade, bem como enumera as obrigações dos pais, da sociedade e do Estado em relação aos pequenos.

O Brasil, em 1988, já havia incluído em sua Constituição Federal um artigo, de número 227, assegurando a proteção integral de seus pequenos cidadãos. Diz a Carta Magna, alinhada com as mais modernas acepções mundiais: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Contudo, ainda há um caminho longo até que coincidam a realidade e o que prenunciam a Constituição brasileira e os tratados transnacionais da ONU. O “Relatório da Situação Regional 2020: Prevenindo e Respondendo à Violência contra a Criança”, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), trouxe um alerta para essa parte do Globo. Segundo o estudo, que levou em contas dados dos países das Américas sobre violência contra crianças e adolescentes, embora a região tenha adotado medidas vigorosas para melhorar o quadro, restam desafios significativos a serem superados.

A pandemia da Covid-19 agravou quadros de violência doméstica. O isolamento contribuiu para um incremento de agressões contra crianças e adolescentes, catalisados por situações de estresse, ansiedade, abuso de substâncias e preocupações sociais e econômicas relacionadas à doença. A pandemia ainda reduziu o acesso dos pequenos a outros ciclos sociais, como o de amigos e familiares, além de serviços de saúde e proteção que poderiam ter fornecido apoio.

Sabe-se que o enfrentamento da questão passa por políticas públicas e instituições fortes na defesa de crianças e adolescentes. Contudo, não depende apenas desses esforços. Exige um envolvimento de todo corpo social, que precisa estar atento a episódios de abuso e repeli-los, quando necessário, acionando os órgãos responsáveis, em vista de garantir o direito de vulneráveis.

A violência contra as crianças tem consequências devastadoras para a vida toda, alerta a Opas. É uma questão, portanto, que diz respeito a todos: a busca por uma sociedade que honra com os compromissos de seus cidadãos e projeta um futuro melhor para todos.


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