A olhos vistos, o fluxo de veículos tem retomado rapidamente seu padrão pré-pandemia nas grandes cidades do Estado. Ficaram para trás – por ora e, espera-se, em definitivo – os dias de pouco movimento nas ruas. Foram motivados não por novas engenharias de trânsito ou tecnologias coletivas arrojadas, tampouco por alguma consciência ambiental, mas por força de uma crise sanitária inesperada. As ruas vazias do primeiro semestres assim estavam pela necessidade de se evitar um novo risco que passou a povoá-las, não a crônica violência urbana, mas o invisível inimigo viral, causador da Covid-19.
Veículos de propulsão humana ou automotores dividem espaço nas vias públicas, no ir e vir da população, deslocando-se para o trabalho ou para atividades sociais. De novo, a cena traz máscaras e, em alguns casos, tentativas de distanciamento, medidas sanitárias difundidas e recomendadas por especialistas como forma de se evitar o contágio pelo novo coronavírus. Contudo, lamentavelmente, persistem velhos hábitos, responsáveis por tornar o trânsito brasileiro um dos mais violentos do mundo.
A imprudência e o desrespeito à lei põem em risco tanto aqueles que cometem manobras perigosas, quando quem divide com eles o espaço das ruas: motoristas, motociclistas, ciclistas, pedestres. As vias têm regras para sua utilização, mas não é difícil, por exemplo, ver veículos motorizados trafegando pelas ciclofaixas e ciclovias, em Fortaleza. Tampouco quem prefere avançar pela contramão a contornar mais um quarteirão. Mudanças repentinas de direção, de carros, ônibus e motocicletas podem contar com a proteção exclusiva do acaso que, em alguns casos, evita uma colisão por segundos ou centímetros de diferença. Sabe-se, contudo, que a sorte não é um equipamento de segurança. As estatísticas mostram o esperado: a imprudência é traduzido em números, sob rubricas dramáticas, como a que contabiliza os mortos nas estradas e vias das nossas cidades.
O País ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maiores índices de morte no trânsito, de acordo com o levantamento global da Organização Mundial da Saúde. O Brasil fica atrás apenas da Índia, China, EUA e Rússia. No mais recente Relatório da Situação Global da OMS, há registros de 39 mil mortes por ano no trânsito brasileiro. O Ministério da Saúde registra uma incidência similar de acidentes do gênero – 37 mil casos. O maior percentual envolve condutores de motos e veículos motorizados de três rodas: 31% das mortes no trânsito no País atingem estes mesmos condutores. Vale apontar a condição particular deste ano, quando intensificaram-se serviços rápidos de entrega com veículos do gênero.
O Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) indica que os acidentes de trânsito são responsáveis por deixar 400 mil pessoas com algum tipo de sequela no Brasil. Cerca de 60% dos leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) são ocupados por acidentados, ao custo anual de R$ 52 bilhões.
Os números de 2020, um ano parcialmente interrompido, decerto serão diferentes. Contudo, há de se tentar, neste processo de retomada, mudar velhos hábitos, signos do atraso e da irresponsabilidade que, para o bem comum, deveriam ter ficado restritos ao passado.