Conflitos jurídicos

Em meio a um ano de dificuldades sanitárias, políticas e econômicas, o Brasil terá o seu Réveillon ligado a conflitos em âmbito jurídico. A bola da vez é a divergência entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre um tema pertinente: a Lei da Ficha Limpa.

O mais recente indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a uma vaga na Suprema Corte, Kássio Nunes Marques, em decisão unilateral, suprimiu um trecho da lei que determina o cumprimento de oito anos de inelegibilidade para agentes públicos, logo após a pena. E a mudança é significativa, abre brechas para a lei que nasceu com o objetivo de combater desvios não republicanos de gestores públicos.

Hoje, um condenado a uma década por crime administrativo, por exemplo, fica distante das eleições — e perde o posto — pelos dez anos de pena e recebe, ainda, mais oito anos de proibição para concorrer a um cargo eletivo. Pela interpretação da lei, uma liderança política condenada por um crime na gestão pública não teria condição, portanto, de assumir uma nova vaga instantaneamente ou em períodos curtos.

Kássio Nunes Marques, no entanto, definiu que o período de inelegibilidade, que é de oito anos, começaria a contar a partir da condenação. Após decisão, iniciou uma avalanche de ações no STF na tentativa de liberar a candidatura de diversos nomes na disputa municipal. Em contrapartida, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, suspendeu a decisão do colega do STF. Na prática, Barroso vetou a medida anunciada por Nunes Marques e postergou a decisão final sobre o assunto para o pleno da Suprema Corte. A medida ainda não tem data para ser apreciada pelo plenário. Enquanto isso, a lei continua como está, e os gestores públicos ainda implicados na regra da inelegibilidade continuam proibidos de participar do processo eleitoral.

O assunto cria um ruído entre os membros da Corte, e precisa ser deliberado o mais cedo possível. No Brasil, o eleitor vai às urnas de dois em dois anos. E a Justiça não pode manter pendências como esta dentro da gaveta, inclusive, para evitar um amontoado de novas ações.

A Lei da Ficha Limpa surgiu a partir de uma iniciativa popular para evitar que políticos condenados por corrupção no setor público continuassem a se candidatar e a se eleger. O Congresso Nacional foi quem discutiu, editou o texto e aprovou o que está posto há cerca de dez anos. Qualquer que seja a mudança necessária sobre esse assunto na legislação precisaria, inicialmente, ser adiantada pelo próprio Congresso, em um debate entre juristas e representantes do povo. Uma divergência no âmbito do STF é natural, faz parte da natureza da Suprema Corte, e dos órgãos garantistas, no entanto, não é esperado que no apagar das luzes de 2020 uma decisão liminar interfira no processo eleitoral que foi organizado em meio a dificuldades de uma pandemia, e em data inédita.

Para o Brasil, que ainda viverá tantos desafios no ano que vem, não é interessante que o Poder Judiciário inicie o ano com desgastes que poderiam ser evitados. Aliás, os Poderes precisam de convergência para trabalhar juntos por um país melhor. Nação essa que precisará de saídas para solucionar pendências na saúde, por conta, principalmente, da pandemia, da educação, e da economia.


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