Dignidade, superação e postura de um atleta notável
São inacreditáveis as coisas do futebol. No dramático jogo em que o Brasil nos pênaltis eliminou o Chile na atual Copa, na meta chilena estava Bravo. Sim, nome mesmo de batismo do goleiro deles: Bravo. Ironia do destino: a bravura ficou exatamente com o goleiro do outro lado, Julio Cesar. Há quase quatro anos, dia 2 de julho de 2010, no Estádio Nelson Mandela na África do Sul, Julio Cesar, cabisbaixo, deixou o campo, após o Brasil ser eliminado pela Holanda. Acusado de ter cometido a falha que permitiu a virada Holandesa, Julio via iniciar ali o seu calvário. Saiu da vitrine europeia. Transferiu-se para o modesto Toronto FC do Canadá. Na era Mano Menezes, foi renegado por esse treinador. Resignou-se, mas jamais perdeu a esperança. Quando Felipão assumiu no lugar de Mano, surpreendeu. Anunciou Julio como titular da seleção e disse que os demais 22 atletas seriam convocados depois. Mesmo diante de contundentes críticas, Felipão o ungiu. E Julio, desde a Copa das Confederações, começou sob a desconfiança do público e da crônica. Nesta Copa do Mundo, na fase de grupos, fez defesas importantes, mas nada ainda capaz de reabilitá-lo. Chegou o dia 28 de junho de 2014. Estádio Mineirão. Sufoco: o Chile empata o jogo e ameaça virar. Julio salva com duas milagrosas defesas, uma em cada tempo. A decisão vai para os pênaltis. Na meta brasileira, o humilhado goleiro de 2010. Antes das cobranças, o que terá passado pela cabeça dele diante do lotado e desconfiado Mineirão? E será que dá para pensar alguma coisa em situação assim? Lembrar os insultos e as humilhações? Lembrar as indiferenças e os desprezos? Lembrar algum apoio e as muitas ingratidões? Bom, se dá para pensar, não sei, mas Julio Cesar estava ali, atento. Era a hora da resposta e também de provar que o posto lhe fora injustamente tirado. Primeiro pênalti, Julio pegou. Segundo pênalti, Julio pegou de novo. Final, Brasil classificado. O Julio vencedor chora como chorara no Estádio Nelson Mandela. Agora, de alegria. Seu nome ecoa pelo estádio. É o herói de volta. Ele se redime das falhas de 2010. Reencontra o aplauso, o carinho, o reconhecimento dos companheiros e do público. Pode até nem ganhar a Copa, mas a todos ganhou pela dignidade, superação e elevação de espírito. Poucos têm força mental para sobrepujar tamanha adversidade. Nisso tudo, méritos também para Felipão que bancou o que ninguém queria bancar. Que trouxe Julio, que o fez titular, que nele confiou como um pai confia num filho, tornando-o outra vez senhor da trave brasileira. Do outro lado do campo, por ironia do destino, o goleiro Bravo, abatido, deixava o gramado. Ele sabia que bravo mesmo fora o goleiro brasileiro.