Na Canarinho, os bicudos provocam beijos e abraços

O futebol brasileiro é feito de muita arte, criatividade, improvisação, qualidades que o diferenciam dos modelos automatizados de outras seleções. Esse refinamento já nos trouxe ganhos reais, embora, nos últimos tempos, venha sendo flexibilizado. Houve época em que dar bicudo na bola era ofensa mortal, inconcebível, inaceitável, máxime entre atletas de elevado nível. Tal agressão, o bicudo, ficaria para os campos de várzea e entre pernas de pau dos times mambembes. Desde cedo aprendemos a conviver com o toque estilizado de grandes astros. Em 1938, Leônidas da Silva, o homem de borracha, deixou registrada nos campos de França a marca de seu inigualável talento. Quem poderia admitir um bicudo em plena Copa do Mundo, onde teoricamente estão reunidos os melhores do planeta? Mas, dependendo das circunstâncias, esse tipo de chute, antes amaldiçoado, passou a ser visto com mais complacência até pelos rigorosos e mordazes críticos. Assim, pouco a pouco, numa tolerância primeiramente gradual e depois mais ampla, o bicudo foi também incorporado ao repertório dos jogadores clássicos, mas só admitido na ausência de outra alternativa na hora da conclusão. Assim o bicudo assumiu novo status no mundo do futebol. Diz o provérbio que dois bicudos não se beijam. E é verdade. Mas na Seleção Brasileira é diferente: os bicudos em campo, juntos ou separados, são admitidos. E provocam beijos e abraços. O primeiro bicudo sagrado e salvador foi na Copa 2002. Na semifinal, o Brasil enfrentou a Turquia, a mesma que dera muito trabalho na fase de grupos. Aí Ronaldo Fenômeno, de bico, surpreendeu o goleiro Recber. Brasil, 1 a 0, classificado para a grande decisão. O segundo bicudo veio na atual Copa pelos pés de Oscar, jogador de trato especial e carinhoso com a bola. Mas num estado de necessidade, Oscar não se fez de rogado: meteu o bico na bola e fez o terceiro gol do Brasil contra a Croácia. Tirou do sufoco a Canarinho e aliviou tensões. O terceiro bicudo, o mais recente, foi assinado por Fernandinho. Ele entrara no lugar de Paulinho que não vinha rendendo bem contra Camarões. Fernando fez crescer a produção da meia-cancha brasileira. Conseguiu. E, para coroar seu convincente desempenho, marcou um gol de bicudo. Sim, de bico mesmo. Surpreendeu o goleiro Itandje. Mesmo assim, Felipão já afirmou que Fernandinho ainda não garantiu a posição de titular. Tudo bem. Luiz Felipe Scolari é um dos bicudos da Seleção Brasileira, mas não como os "bicudos" em campo. Estes provocam beijos e resolvem. Já Felipão não admite outro bicudo na comissão técnica. Nesta parte, o provérbio continua intacto: dois bicudos não se beijam.

Esse tipo de chute, antes amaldiçoado, passou a servisto com mais complacência até pelos rigorosos e mordazes críticos