O jornalista Ricardo Viel, movido pelo interesse em descobrir os segredos dos grandes escritores, decidiu perguntar a alguns dos ficcionistas mais importantes em língua portuguesa e espanhola quais as principais descobertas que fizeram a partir do trabalho com a literatura.
O resultado é o livro “Sobre a ficção – Conversa com romancistas”, publicado em edição limitada pela Tag Livros. Ele conversou com Dulce Maria Cardoso, Juan Gabriel Vasquez, Bernardo Carvalho, Mia Couto, Rosa Montero, Javier Cercas, Valter Hugo Mãe, Milton Hatoum, Tatiana Salem Levy e Djaimilia Pereira de Almeida.
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Boa parte das conversas teve como tema a parte prática do trabalho, a relação com os temas escolhidos, as pesquisas, o método de escrita de cada um, os percalços. Dulce Maria Cardoso contou de quando perdeu um livro inteiro, já concluído, por causa da invasão de um vírus no seu computador.
Rosa Montero relata sua transição da vida de jornalista para a rotina como autora de livros. E vários outros vão explicando detalhes sobre as decisões da profissão, o que é muito instigante, mas não supera a beleza de vários trechos desses homens e mulheres definindo o que é a vida.
Escritores são pessoas que escrevem, isto é óbvio. Mas escritor e autor são coisas diferentes. Autores são aqueles que enxergam a experiência de estarmos vivos de uma maneira peculiar e têm algo a dizer sobre isso. Pode ser uma revelação. Mas pode ser também o mesmo que já sabemos, mas dito de outra forma. Em geral são pessoas tocadas pelo destino, de alguma maneira, para que a vida justifique sua obra constantemente.
De todas as entrevistas geniais, há uma que não sai da minha cabeça. Um dos parágrafos da fala do autor espanhol Javier Cercas, para ser mais específica. Ricardo Viel pede a ele que explique algo que está no prólogo de seu livro “A velocidade da luz”, onde ele diz que talvez sejamos felizes mas não sabemos. Javier responde:
“Bom, talvez a felicidade consista em estar vivo. ‘Os deuses ocultaram o que faz os homens viverem’, diz Hesíodo na epígrafe de Soldados de Salamina. Acho que o que os deuses ocultaram é a alegria. Ou seja, a alegria é adesão sem resquícios ao real. Esse é o grande segredo: ainda que isso seja horrível, ainda que em alguns momentos o mundo seja uma porcaria, ainda que às vezes nos sintamos muito mal, estamos vivos. A felicidade consiste em estar vivo, não consiste em outra coisa.”
Estamos vivos. Temos tido sorte, por motivos que nunca saberemos, de escapar da pior fatia desta tragédia e isso fortalece a consciência da vida. Não por alívio, mas pela responsabilidade. É como se esse motivo oculto, que nos salvou, também nos pedisse que algo fosse feito com a vida que ganhamos.
De alguma forma e apesar de tudo, a alegria precisa ser alimentada diariamente.
Pelas crianças, pelo futuro, em honra da vida e dos que partiram, pela esperança no que está por vir, é preciso seguir todo e qualquer rastro de alegria diante dos olhos. Ela está por todos os lados. O mundo precisa muito do nosso trabalho, todos os trabalhos importantes que cada um de nós realiza, ao seu modo, diariamente. A alegria que atrai a força. É delas duas que mais precisamos agora.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.