DONA DE SI: Mari Holanda - A opção pela sustentabilidade humana

Mariana Holanda enfrentou um burnout durante a pandemia, quando integrava alta gestão de uma multinacional. A psicóloga saiu da crise pessoal para encampar uma luta pelo bem comum, por ambientes corporativos mais saudáveis e afinados com os valores humanos

Legenda: A carioca com DNA cearense, recentemente, vem desenvolvendo nas empresas um trabalho pela saúde mental dos empregados. Uma iniciativa que vem sendo adotada por multinacionais com uma visão vangardista das novas relações de trabalho.
Foto: Arquivo pessoal

Se você passar os olhos pelo currículo de Mariana Holanda, vai reconhecer uma carreira de sucesso, como muitos sonham. A psicóloga carioca, neta de cearense, teve passagens por grandes empresas e, de 2010 a 2021, integrou a equipe da multinacional Ambev, indo do corpo técnico de RH à alta gestão neste intervalo de 11 anos. Chegou uma hora, no entanto, que ela decidiu virar a chave. Em vez de um voo mais alto, escolheu ter os pés firmes no chão!

No fim do ano passado, ela pediu demissão. Era, então, diretora de Saúde Mental da multinacional, cobrindo as operações latino-americanas da empresa. O setor, aliás, havia sido criado um ano e cinco meses antes, idealizado e proposto pela própria Mariana Holanda. O gesto dela ecoa uma tendência crescente no mundo, que conheceu um boom nos EUA nos últimos anos e que tem sido observada em outros países, como o Brasil.

Lá, como aqui, pessoas deixam seus empregos, em geral buscando melhores condições de vida. Que se ressalte: nem de longe o salário é um dos principais pontos de insatisfação de que toma esse caminho. Nos EUA, a imprensa acompanha mês a mês os números dessa tendência. Em novembro de 2022, chegou a um recorde de 4,5 milhões de pedidos de demissão. No Brasil, estima-se uma média mensal de 500 mil.

Mariana Holanda rejeita o nome ‘Movimento Antitrabalho’, como inicialmente se apelidou a tendência. “Não é sobre a gente ser contra o movimento do trabalho, e esse nome parece que é isso: ‘ah, a galera não que mais trabalhar’”, descarta.

Legenda: Mari Holanda
Foto: Arquivo pessoal

“O movimento fala muito sobre a gente lutar por melhores condições de trabalho. Para a gente não se render ao ‘sistema’, ao padrão, e venhamos e que convenhamos, todos nos já rendemos um pouco, já que chegamos até aqui. Do que se trata o movimento então? É um processo de conscientização, de quem, de alguma forma, chegou ao seu limite. Limite não só de sua saúde mental, mas da sua integralidade, de seu equilíbrio de vida”
Mariana Holanda
Psicóloga

 

“Sustentabilidade humana”

 

O próprio limite ficou claro para Mariana Holanda quando ela recebeu o diagnóstico de Síndrome de Burnout, durante a pandemia de Covid. A palavra que apareceu no vocabulário da psicologia há mais de 40 anos. Foi emprestada do vocabulário do dia a dia, significa se consumir até o fim. Apesar de não ser nova, é uma das palavras-chave do tempo que vivemos. Quando a pandemia da Covid aumentou a pressão sobre a vida de todo mundo, o que já estava pegando fogo explodiu de vez. Em janeiro desse ano, a Organização Mundial da Saúde passou a reconhecer o burnout como uma doença relacionada ao trabalho.

Nesse estado de esgotamento, Mariana se afastou do trabalho e, quando retornou à multinacional, tinha a certeza de que não queria continuar fazendo o que fazia, nem como fazia. O problema que havia enfrentado era grave e nem de longe se restringia a um caso isolado ou a um problema pessoal. Ela quis não só superar o que viveu, como ajudar outros, para que não tomassem o mesmo caminho; e, no caso de quem já havia a adoecido, a sair dele.

“Burnout é um esgotamento. Você não vai conhecer nenhuma pessoa que tenha passado pelo burnout e não tenha vivido ou presenciado situações de desrespeito, de abuso, de falta de reconhecimento. Não estamos falando de salário. Estou falando de olho no olho. De premissas básicas de convivência com outros seres humanos. O objetivo perseguido é o da sustentabilidade humana”, explica Mariana.

 

Legenda: Mari defende que importa, sim, a revista de como que os empregados estão no trabalho no seu dia a dia
Foto: shutterstock_1477336778

“Isso passa pela revisão de culturas, comportamentos, rituais nas empresas. Revistar como que a gente trabalhava no dia a dia. Quais a ações e comportamentos eram fortalecidos no nosso dia a dia? Para mim, quando penso em melhores condições de trabalho, tem muito a ver com relações saudáveis, que sejam anti- qualquer situação de abuso e de desrespeito”
Mari Holanda
Psicóloga

 

À frente da diretoria de Saúde Mental, ela começou a trabalhar para que as relações, na empresa em que atuava, fossem baseadas em comportamentos que levassem em segurança a psicológica. “É preciso encontrar caminhos para você discordar, concordar, discutir, mas que você não se sinta ameaçado, contra a parede”, conta Mariana Holanda.

 

 

Transformação

 

No fim do ano passado, desligou-se da multinacional, mas não sua dedicação à transformação dos ambientes de trabalho. Mariana Holanda presta serviços e encampa projetos voltados à Saúde Mental em ambientes organizacionais. É uma das referências nos debates sobre essa crise na vivência do trabalho, quem feito as pessoas a reagirem e as organizações a se indagarem sobre as mudanças pelas quais precisarão passar.

 

Mariana alcança públicos mais amplos por meio de seus canais (o perfil Instagram @mari05.holanda e os artigos publicados em sua página no LinkedIn). Aliás, desde março ela integra o time do LinkedIn for Creators Brasil, projeto global com intuito de destacar profissionais que produzem conteúdos na maior rede social de trabalho do mundo. A contribuição dela não é pequena: numa rede em que muitos tentam se encaixar, ocultando tensões e divergências acerca do trabalho, Mariana Holanda convida a refletir sobre as mudanças necessárias para que se chegue num mundo em que divergências possam ser tratada de forma serena, madura e sem temores.

 

A saída, acredita Mariana Holanda, passa por movimentos como o da grande resignação e pela conscientização das empresas que fecham os olhos pra dimensão humana de sua atuação. “As empresas vão ter que investir mais em desenvolvimento humano”, resume. “Não adianta ter na sua parede de valores que você incentiva o trabalho coletivo, se na hora da prática você não faz isso”, avalia.