Cearense no olho do furacão

A crise que envolve o presidente Jair Bolsonaro e o mais alto escalão do seu governo com o Congresso Nacional - fato que agitou os bastidores de Brasília ontem - tem como pano de fundo o Orçamento Geral da União de 2020, cujo relator é o deputado cearense Domingos Neto (PSD). Na política, praticamente tudo é disputa de poder. Neste caso, entretanto, há uma relevância ainda maior porque se trata do poder financeiro da máquina pública federal, um negócio bilionário do qual o governo não quer abrir mão, com razão. Bolsonaro, entretanto, está em posição de fragilidade, pois ao Congresso basta derrubar vetos presidenciais para ficar com o controle de uma quantia de até R$ 30 bilhões. E tudo isso nas mãos do deputado cearense.

Figura da discórdia

Domingos Neto foi indicado ainda no ano passado como relator do Orçamento em representação ao seu partido na Comissão Mista de Orçamento, composta por deputados e senadores. A figura legislativa alvo da discórdia entre os poderes, que tem estremecido a República, são as chamadas "emendas de relator". O dispositivo é novo. Até o ano passado, o relator não tinha ingerência sobre a execução do Orçamento. Com a nova regra, o parlamentar, além de controlar a quantia bilionária, ainda tem papel de resolver a ordem dos pagamentos, ou seja, quem receberá os investimentos.

Força de ministro

Foi exatamente esse dispositivo, que dá poder ao Congresso sobre a execução do orçamento, que o presidente Bolsonaro vetou no fim do ano passado. O Congresso agora ameaça derrubar o veto. Caso se confirme, o deputado cearense Domingos Neto terá mais poder sobre o orçamento para a indicação de gastos do que alguns ministros do governo, devido à estreita margem de verba discricionária para investimento neste ano. Por isso, reações como a do ministro do Gabinete de Segurança Institucional de acusar o Congresso de "chantagem". Crise.

Peso político

No Ceará, Domingos Neto integra um grupo político familiar comandado por seu pai, o ex-vice-governador, Domingos Filho, que tem feito uma ofensiva para filiar prefeitos e candidatos ao Executivo em municípios estratégicos do Estado. Caucaia, a segunda maior cidade do Estado, e Tauá, berço político dele, estão entre as prioridades. O poder de relator do Orçamento da União dá a ele poder de barganha nas negociações eleitorais. Tanto que os adversários já o acusam do uso político do cargo. Ele nega.

Crise política

Há uma crise política interna entre policiais militares que estão amotinados no Ceará. Ontem, ao receberem representantes da OAB-CE para reabrir o diálogo com o Estado, um grupo se negou a ter o ex-deputado Cabo Sabino como representante. "Não queremos política partidária nisso de novo", disse o grupo, segundo relato de advogados presentes. Foi escolhido o coronel reformado do Exército, Waldir Medeiros.

“Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente”, General Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional

"É uma pena que o ministro tenha se transformado num radical ideológico contra a democracia”, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, completando a sequência de frases que elevaram ainda mais a temperatura política em Brasília na semana passada