O recorte espacial Nordeste aparece pela primeira vez, de forma oficial, no texto do Decreto 3.965 de 25 de dezembro de 1919, que autorizava a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criada naquele ano, a construir as obras necessárias à irrigação de terras cultiváveis do nordeste brasileiro. O único presidente da República, da chamada República Velha, a ter origem nos estados do chamado Norte, o paraibano Epitácio Pessoa, iniciava com esse decreto o que batizou de obras contra as secas.
Será a repercussão da construção dessas obras na imprensa dos estados beneficiados, bem como das denúncias de corrupção e desvio dos recursos, na imprensa nacional, que irá fazendo circular o conceito de Nordeste, popularizando e atrelando-o, assim, desde o início, à temática das secas, das obras para combatê-la e à malversação política dos recursos.
É no mês de junho, do ano em que Epitácio Pessoa conclui o seu mandato, 1922, que o conceito Nordeste será usado pela primeira vez para dar nome a um órgão de imprensa. A Arquidiocese de Fortaleza, comandada por Dom Manuel da Silva Gomes (1912-1941), cria o jornal O Nordeste, que circulará até o ano de 1967.
O jornal terá como redator-chefe o advogado, professor e escritor Manoel Antônio de Andrade Furtado, membro da União dos Moços Católicos, fundada pelo Monsenhor Antônio Tabosa Borges (1874-1935), que também terá presença constante na redação do jornal. O redator-auxiliar será Luís Cavalcante Sucupira (1901-1997), que será eleito deputado constituinte pelo Ceará em 1934, pela Liga Eleitoral Católica. Significativamente ele veio substituir O Correio do Ceará, jornal católico criado em 1915. Sai o Ceará, entra o Nordeste: o espaço estadual é substituído pelo espaço regional.
É muito revelador o perfil editorial, político e ideológico do primeiro jornal a ser batizado com o nome Nordeste, nome do recorte regional que está surgindo aí no final dos anos dez e início dos anos vinte. Ele se definia como defensor do tradicionalismo católico, criticando o liberalismo, a democracia burguesa, o republicanismo, todos os ideais advindos da Revolução Francesa e do Iluminismo.
Se colocava como um defensor da ordem, de um Estado forte e corporativo. Combatente do protestantismo, do espiritismo, da maçonaria e das ideologias materialistas como o comunismo, o socialismo, o anarquismo e o positivismo. Antissemita, se opunha ao Estado laico e defendia o que chamava de doutrina social cristã.
Era notória a saudade da monarquia, da união entre Estado e Igreja e até da escravidão. Era contra o voto universal, o voto feminino e dos analfabetos, se colocando contra a reconstitucionalização do país, nos anos trinta, abominando o debate partidário. Pautava sua ação no que chamava de “defesa dos valores da família brasileira” (qualquer semelhança com discursos do nosso tempo não é mera coincidência), no providencialismo e numa ação “regeneradora e moralizante”.
O jornal apoiou a Legião Cearense do Trabalho (LCT), organização sindical e partidária, de extrema-direita, que surgiu em 1931 e funcionou até 1937, e a Liga Eleitoral Católica (LEC), partido católico criado em 1932, por iniciativa do cardeal Leme, que visava eleger representantes católicos para a constituinte de 1934.
No Ceará, a LEC congregou parte das forças políticas oligárquicas derrotadas pelo movimento de 1930 e que faziam oposição aos interventores. Mas o jornal não deixou de oferecer apoio ao Estado Novo, a ditadura Vargas, notadamente à medida que ele promoveu uma reaproximação entre Estado e Igreja e permitiu o ensino religioso, uma das principais reivindicações dos católicos.
O conceito Nordeste aparece assim, desde o início, muito bem acompanhado, já que nomeia um jornal onde podemos encontrar elogios ao fascismo e ao nazismo, uma fervorosa militância em torno do integralismo, com uma presença dos escritos de seu líder, Plínio Salgado. Nele também podemos ler matérias elogiosas às figuras de Hitler, Mussolini, Salazar e acompanhar todo desenrolar da guerra civil espanhola a partir do ponto de vista dos partidários do general Franco. E isso porque sob o lema Fé e Pátria, o jornal se definia como apolítico, desapaixonado, voltado apenas para ensinar ao povo a consciência de seus deveres.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.