O fascismo está longe de ser apenas um regime político que vigorou na Itália entre os anos de 1922 e 1943. Esse regime, para existir, pressupôs a existência de pessoas com pensamento e subjetividade fascistas, que o antecederam e o criaram. O fascismo é um dado modo de ver e entender o mundo, uma dada forma de se posicionar na vida e de se relacionar com os outros. O fascismo habita o inconsciente, é uma dada forma de desejo, de vontade de poder e domínio sobre o outro, sobre o Real.
O fascista é alguém que, inseguro, deseja instalar a ordem e a segurança absolutas, é alguém cujo mal estar advém da sensação de impotência, daí o desejo de um poder desabrido.
O fascista é alguém que meio paranoide vive o real como ameaça, como perseguição. Sua baixa autoestima, sua péssima avaliação acerca de si mesmo faz com que projete e culpe os outros por suas carências, seus fracassos, sua mediocridade.
O fascista é um ressentido que considera que suas carências afetivas, materiais, de poder, de reconhecimento, intelectuais se devem a um outro, a um bode expiatório (o judeu, o comunista, a feminista, o homossexual, o petista, o cigano, o palestino, o muçulmano, o nordestino, o imigrante, o venezuelano etc.) que teria lhe tirado o que seria seu de direito, daí seu desejo de vingança, até de extermínio desse outro.
Um dos traços mais perigosos do fascismo é a desumanização desse outro, do diferente, que é responsabilizado por todos os males do mundo.
O fascista não tem a menor empatia com o diferente de si mesmo, não tem a menor capacidade de se colocar no lugar do outro. Ele vê na diferença uma ameaça, um desafio, uma agressão até.
O fascista é um ser fragilizado que precisa perfomatizar constantes demonstrações de força, que investe na produção de um corpo e de uma subjetividade prontos para a agressão e a violência. Ele está sempre na defensiva e para isso vive de ataques constantes, se alimenta da agressividade, para que não se perceba seu desamparo e suas fraquezas.
No Brasil contemporâneo, podemos, no entanto, perceber que há corpos e subjetividades fascistas de todos os matizes. Não é apenas o bolsominion truculento e paranoide que é a encarnação do fascismo entre nós, ao demonstrar total insensibilidade diante do sofrimento e da morte dos demais, ao realizar e propor atos de violência contra aqueles que considera seus inimigos, porque pensam e vivem de formas diferentes daquelas que consideram aceitáveis e normais.
A miséria moral do fascista infelizmente não habita apenas os corpos hiperbombados, supermusculosos, as subjetividades dos adoradores de armas e de instrumentos de agressão e violência, o governante paranoico que acha que tudo que acontece no país é para desafiar o seu poder, que tudo é contra ele.
Nesses dias, enquanto milhares de pessoas morrem no país, enquanto a miséria e o desemprego levam milhões ao desespero, podemos também presenciar o quanto a miséria moral do fascismo se espraia por nossa sociedade. A loirinha rainha dos baixinhos propõe que se use presos como cobaias, para “eles servirem para alguma coisa”.
Lembrando o uso dos corpos dos judeus para realizar experimentos médicos e científicos, a cândida mocinha demonstra a total falta de empatia com o “bandido”, que só pelo fato de estar na cadeia ou ter cometido um crime deixaria de ser um semelhante, de ser gente, passando a ser algo parecido com ratos, ecoando a máxima fascista de que “direitos humanos é só para bandido”, o bordão preferido dos programas policiais, essas escolas diárias de fascismo.
Numa só frase Xuxa transforma os presos em objeto, retira deles a condição humana, da qual faz parte, justamente, a possibilidade do erro e do crime.
A advogada promotora do impeachment sem crime de responsabilidade da presidenta Dilma, a deputada estadual mais votada do estado de São Paulo, propõe que se deixe morrer os velhos, que os hospitais, se tiverem que escolher quem salvarão, que escolham os jovens, que ainda teriam muito o que dar ao país. Esse raciocínio brilhante só pode ter vindo de quem deu espetáculos no mínimo estranhos durante o golpe de Estado que lhe colocou sobre os holofotes.
Nisso ela não está sendo original. Ainda no começo da pandemia, o homem sensível que nos desgoverna já havia dito que iam morrer alguns velhos, mas o que se havia de fazer, todo mundo morre mesmo e, como ele não é coveiro (o que a essa altura temos muitas dúvidas), não ia ficar contando cadáveres (com sua matemática limitada deve estar ficando bem difícil agora fazê-lo, o melhor é mudar a forma de cálculo, como propõe para o desemprego).
A desumanização da velhice, a visão de que o idoso é um traste, um peso para a sociedade e a família, alguém que não serve mais, é cruel e desconhece todas as contribuições que já deram ou ainda darão a sociedade. Janaína Paschoal ainda reafirmou a sua tese, tão boa quanto a que apresentou ao concurso para professora titular na USP, em que foi reprovada.
O deputado Roberto Jefferson, que só por continuar solto depois de tudo que já fez, é uma desmoralização para a justiça brasileira, recém transformado em cristão evangélico, demonstrando que entendeu bem a mensagem de Jesus, fez um vídeo ensinando os homens e mulheres seguidores do Evangelho, a como espancar e torturar os comunistas, esses eternos bodes expiatórios dos delírios paranoides dos fascistas.
Com o rosto coberto com uma balaclava, como se fosse um torturador saído dos porões da ditadura de 1964 (comemorada, pasmem, essa semana), ele “evangelizava” exibindo os instrumentos, que dispostos sobre uma mesa, auxiliariam na conversão forçada dos filhos de satanás, esses vermelhos. A tudo isso vamos assistindo impassíveis, vendo o fascismo se espalhar pela sociedade, talvez aguardando que a conversão a porrete chegue as nossas casas e aos nossos corpos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.