A primeira tese acadêmica a adotar a designação Nordeste para identificar o espaço a que se dedicaria o estudo foi escrita pelo advogado e político pernambucano Agamenon Magalhães. Visando concorrer a cátedra de geografia humana no Ginásio Pernambucano, no ano de 1922, Agamenon escreveu a tese intitulada “O Nordeste brasileiro, o habitat e a gens”, com a qual logrou se tornar professor de geografia daquela instituição de ensino.
O então promotor público da cidade de São Lourenço da Mata, graduado em direito pela tradicional Faculdade do Recife, escreveu uma tese marcada pelas teorias científicas da época, notadamente pelas ideias do historiador britânico Thomas Buckle e do geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que consideravam a influência do meio geográfico como principal fator de explicação dos acontecimentos humanos. A chamada antropogeografia submetia os fatos históricos e sociais ao determinismo do meio, o que deve ter parecido mais do que adequado a uma tese que visava concorrer a uma vaga destinada ao ensino da geografia humana.
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O termo habitat, presente no título do trabalho, corresponderia, justamente, a parte da tese em que Agamenon se dedicava a descrever as condições ambientais, a natureza do espaço nordestino: o solo, o clima, a vegetação, o relevo, a hidrografia do Nordeste brasileiro. Há muitas semelhanças entre essa parte do trabalho de Agamenon e a primeira parte do livro “Os Sertões”, chamada “A terra”, publicado por Euclides da Cunha, em 1902. Mas o advogado pernambucano contou, também, com os conhecimentos geológicos, paleontológicos e botânicos, produzidos pelos especialistas estrangeiros contratados pela Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), criada em 21 de outubro de 1909, que fizeram várias expedições científicas aos estados nordestinos.
Obras como “Geologia e suprimento d’água no Ceará e parte do Piauí”, do geólogo norte-americano Horatio Small; “Geologia e suprimento d’água subterrânea no Rio Grande do Norte e Paraíba” e “Geologia e suprimento d’água subterrânea em Sergipe e parte da Bahia”, do geólogo da Universidade de Stanford, Ralph Sopper; “Geografia, geologia, suprimento d’água, transportes e açudagens dos estados orientais do Norte do Brasil: Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba”, do geólogo americano Roderick Crandall; além dos estudos geológicos e mineralógicos feitos em estados da região pelos geólogos estadunidenses Orville Derby e John Casper Branner, que antecedem a criação daquela instituição e os estudos botânicos de Leo Zehtner e Alfredo Loefgreen, foram fundamentais para seu texto.
Na segunda parte da tese, assim como fez Euclides da Cunha, o China Gordo, como ficou conhecido o político pernambucano nascido em Vila Bela, atual Serra Talhada, no ano de 1894, se dedicava ao estudo do homem, do que seria a gens ou a formação do tipo regional. Aqui comparecem as teorias de matriz eugenista e racialista, as teorias que atribuíam a hereditariedade genética e racial, às misturas de sangue, as deficiências e aptidões físicas e psicológicas de uma dada população.
Como sertanejo, Agamenon fará do mameluco dos sertões, do homem nascido do cruzamento de brancos e indígenas, homens que teriam sido enrijecidos no contato com o meio hostil das caatingas, o tipo eugênico mais destacado da região, aquele de quem se poderia esperar o progresso nacional.
O racismo e a visão negativa em relação aos negros ficam patentes em seu texto, que elege o sertanejo como o tipo regional.
O autor da primeira tese acadêmica sobre o Nordeste, inicia em 1919, quando entra para as hostes da oligarquia chefiada por Manoel Borba, uma meteórica carreira política, que o leva a ser eleito deputado estadual, no mesmo ano de 1922. Já em 1927 se elege deputado federal. Tendo rompido com a oligarquia Borba, ao apoiar a Aliança Liberal e a candidatura de Getúlio Vargas a presidente da República, participando ativamente da preparação do movimento de 1930 em Pernambuco, torna-se deputado constituinte em 1933, na qual defende a adoção do sistema parlamentarista, a ampliação do crédito agrícola e o sindicato único por categoria. Em 1934 torna-se Ministro do Trabalho e com o golpe de 1937, passa acumular a pasta da Justiça.
Nesse mesmo ano, diante da instalação da ditadura varguista, Agamenon Magalhães é nomeado interventor federal no estado de Pernambuco, trazendo para a administração do estado, segundo ele mesmo “a emoção do Estado Novo”, ou seja, uma administração marcada pelo autoritarismo, pela perseguição dos inimigos políticos, pela censura a imprensa e atividades culturais, pela propaganda em torno da figura do governante, pelo populismo, pelo controle dos sindicatos, pela modernização conservadora, tanto no campo, quanto na cidade.
Em Recife, sua administração se destacou pela abertura de grandes avenidas, com a destruição de prédios seculares, com a derrubada dos mocambos e a promessa de construção de moradias populares, o que aconteceu em muito menor número do que o necessário. Perseguiu as religiões de matriz africana, os homossexuais e as prostitutas, combateu o cangaço e realizou algumas obras contra as secas.
Em 1945 volta ao Ministério da Justiça, desta vez para redigir a “Lei Agamenon”, que restaurou a democracia no país e definiu as regras eleitorais e partidárias. Foi também o autor da “Lei Malaia”, referência pejorativa a sua aparência oriental advinda de sua ancestralidade indígena, que regulava a remessa de lucros por parte dos trustes internacionais. Fundador do PSD em Pernambuco, se elege deputado constituinte, onde se destaca por defender a intervenção estatal na economia e em 1950 se elege governador, mesmo não tendo apoiado o seu grande mentor político, que concorria a presidência da República. Não completa, no entanto, o mandato, morrendo de um infarto fulminante, exatamente dois anos antes do suicídio de Getúlio Vargas, no dia 24 de agosto de 1952.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.