Bolsonaro insiste em reviver glórias de 2018, quando um país altamente polarizado o viu sair vencedor nas eleições presidenciais. Em meio à pandemia da Covid-19, não sobram dúvidas sobre o anacronismo do discurso do presidente, que traz para o primeiro plano sua agenda pessoal.
Bolsonaro tenta convencer o brasileiro de que o inimigo comum do mundo é pouco importante, é uma fraquejada como ameaça, quando comparado ao que fazem os governadores e a imprensa. Seus rivais, ou quem ele coloca nesta posição, são descritos como um mal maior.
No terceiro pronunciamento que fez em cadeia nacional, nestes tempos de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro foi fiel a sua postura.
Suas declarações estarreceram parte da classe política, incluindo aliados e interlocutores. É estranha a surpresa, afinal, nada do que foi dito era realmente inédito, e tudo condiz com sua abordagem da questão da pandemia. O filme foi exatamente aquilo que o trailer prometia.
Bolsonaro se comporta como um Dom Quixote às avessas. O cavaleiro do romance de Miguel de Cervantes via gigantes onde havia apenas moinhos de vento; o presidente brasileiro, por sua vez, enxerga moinhos de ventos onde há gigantes.
Quixote também é um personagem anacrônico. Seu estado o fazia crer que habitava tempos e espaços de heroicos cavaleiros medievais, quando esse tempo já se tinha ido e muito dele era invenção dos romances de cavalaria que tanto Quixote amava ler.
Dom Quixote conta com um escudeiro fiel, Sancho Pança. Sujeito ancorado no real e sem imaginação, ele admira a do nobre que aceita acompanhar. É possível imaginar o sujeito se divertindo com as confusões daquele que lhe serve de capitão.
O País - e não é de hoje - faz as vezes de Sancho Pança para o presidente. Mas será que aquele sujeito baixinho e rechonchudo teria ido atrás de Dom Quixote se não fossem moinhos o que encontraria em seu caminho, e sim gigantes? E se seu mentor ordenasse o avanço tranquilo, pois enxergava apenas cata-ventos imensos, Sancho seguiria a passagem?
No discurso da terça-feira (25), Bolsonaro fez apenas uma única incursão à realidade que, ao contrário dele, o mundo tem vivido. “Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos", disse o presidente - e há de se concordar com ele.