Especialista alerta para o uso de novas tecnologias no semiárido

Em agosto de 2019, o Ceará tinha 66,81% de sua área comprometida, sendo 43,16% com seca moderada. Aumento das áreas afetadas pelos ciclos de estiagens chegou a 40% do território do Ceará.

O processo de desertificação no território cearense está seguindo um curso preocupante há décadas. Não é de hoje que especialistas da área alertam para esse aumento potencial de terras improdutivas no estado. O Monitor de Secas vem batendo o martelo nessa questão. Segundo os últimos dados, entre julho e agosto deste ano, o aumento das áreas afetadas pelos ciclos de estiagens chegou a 40% do território do Ceará.

Para se ter uma ideia da gravidade do processo de desertificação, em agosto de 2019, o Ceará tinha 66,81% de sua área comprometida, sendo 43,16% com seca moderada. O Monitor de Secas identificou o “surgimento de uma área de seca fraca no centro-sul, com impacto de curto prazo e uma alteração do impacto da seca de longo para curto e longo prazo na área central do estado”.

Esses índices não preocupam apenas o Ceará. Segundo o Mapa do Monitor de agosto, Bahia e Espírito Santo até conseguiram reduzir suas áreas, no entanto, Alagoas, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe registraram aumentos. Oito estados tiveram o agravamento da situação entre julho e agosto. Outros oito estados, dentre eles o Ceará, mantiveram o grau de severidade do fenômeno.


Luta secular

E o que fazer diante desse quadro? Esse é um tema histórico. Também há décadas o homem vem trabalhando com a criação de novas tecnologias, não mais para combater os efeitos dos constantes períodos de estiagens, mas para criar ambientes de convivência com a seca. Enfim, admitimos e passamos a trabalhar em cima da realidade de que esse é um fenômeno natural e precisamos aprender a conviver com ele e não combatê-lo. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) notabilizou-se pela construção de barragens e pela implantação de perímetros irrigados para ajudar o homem que vive da agricultura e pecuária a permanecer no campo. A ideia era armazenar água suficiente para projetos de irrigação. Alguns projetos deram certo. Outros não! Eles continuam em andamento, como é o caso da Barragem do Lago de Fronteiras, no município de Crateús, que entrou em processo de licitação e o projeto Águas do sertão que beneficia pequenas comunidades no interior, mas  outras alternativas estão chegando às áreas semiáridas para aproveitar o que elas podem oferecer de melhor, mesmo que castigadas pelo clima quente e a precaridade do solo. Uma das alternativas é o uso sustentável de fontes de energias limpas. Dois casos claros de energias renováveis que, inclusive, já são utilizadas em grande escala nas regiões semiáridas são a energia solar e a energia que vem dos ventos. Mas alguns especialistas chamam atenção para essa nova realidade que avança pelas áreas litorâneas e áreas do semiárido brasileiro.

Em seu artigo “Êxodo, desertificação e concentração fundiária no semiárido brasileiro”, o engenheiro agrônomo e perito federal agrário do INCRA, Deodato do Nascimento Aquino, argumenta que “possuímos uma estrutura agrária rígida e anti social que fomenta a multiplicação de minifúndios e a conservação de latifúndios improdutivos. E para piorar, os modelos globais de previsões climáticas apontam que a região nordeste será a mais afetada com o aquecimento global”.

A partir dessa análise, o mestre em Agronomia e doutor em Manejo de Bacias Hidrográficas no Semiárido aponta o que poderá ser uma tendência para o enfrentamento dos ciclos de seca para as próximas décadas. Ele acredita que “a pauta política prioritária para o século XXI será a abertura de vastas extensões de terras e desmatamentos de caatingas no semiárido para construção de mega empreendimentos multinacionais, com álibi de “energias limpas”.

Deodato do Nascimento faz uma provocação tempestiva: “Será recorrente em solos nordestinos o avanço da “monocultura” e dos grandes latifúndios com empreendimentos de painéis fotovoltaicos. Se no milagre econômico, predominou o ouro branco, que somente no Ceará desmatou mais de 1,2 milhões de hectares, para atender a demanda externa, neste novo milagre o ouro virá dos céus, pois somos detentores das maiores “jazidas” de energias renováveis do planeta. Sem falar que somos agraciados com os maiores aportes de energia luminosa nas depressões sertanejas e ventos nos maciços residuais e na costa litorânea”, ressalta o especialista.

O engenheiro agrônomo está correto! O Ceará é rico em ventos e sol. Mas, no contexto do seu pensamento, ele salienta que é preciso colocar o tema em debate focando na questão do novo marco regulatório do setor energético nacional que, dentre as alterações pautadas e priorizadas, existe a real possibilidade da flexibilização da venda de vastas extensões de terras ao capital estrangeiro para destinação a grandes projetos de produção de energias renováveis. Ele faz um alerta: “Importante que nossos governantes do Nordeste sigam os passos dos povos germânicos no caminho da sustentabilidade e uso democrático da energia solar. Sejam firmes e não se curvem às fortes pressões de lobistas de grandes corporações multinacionais, pois caso contrário deixarão escapar uma garantia de fonte de renda ad eternum e a possibilidade de permanência das famílias campesinas em seus torrões de origem”, alerta Deodato do Nascimento. 

Isso é real! O Ceará já acompanha essa tendência de investimentos nas áreas de energias renováveis. Já faz tempo e vem mais por aí! Durante o mês de setembro deste ano, por exemplo, em Trairi, a empresa Eólica Serra do Mato Energy apresentou o projeto do complexo de usinas Serra do Mato, diante de uma exigência legal da Superintendência Estadual de Meio Ambiente, que analisa o pedido de licença ambiental para o empreendimento. Durante o encontro, moradores da área de alcance do projeto conheceram o impacto ambiental da obra de instalação e do funcionamento das usinas. Segundo o estudo e o respectivo relatório de impacto ambiental (Eia/Rima), o Complexo Eólico Serra do Mato será composto de seis Usinas Eólio-Elétricas, totalizando 29 aerogeradores, com potência total instalada de 121,8 megawatts. A área reservada para o empreendimento é de 867,5 hectares. O Ceará já possui um dos maiores parques eólicos da Região Nordeste. Atualmente, 92 parques de energia eólica estão em operação ou construção no estado.


Na esteira dos investimentos no setor energético, a Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho, e o Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico vão realizar nos dias 18 e 19 de novembro uma Rodada Virtual de Negócios de Energia. Não há como negar que os investimentos estão chegando e o semiárido tende realmente a se renovar apostando em outros milagres que vêm em forma de novas tecnologias.