A campanha presidencial dos EUA esquentou com o 1º debate entre Trump e Biden na TV. Foi um show de insultos, uma grosseria com o público, obrigado a ver dois senhores septuagenários trocando ofensas como duas crianças birrentas, em plena pandemia, quando se deve exigir o decoro, a civilidade, os bons modos, o tom sereno e respeitoso, afinal, muitas famílias enfrentam um luto (mais de 1 milhão de seres humanos perderam suas vidas devido à covid).
Quem ganhou o debate? Trump, claro. Há meses ele ensaia sua cena final caso seja derrotado: o perdedor que rejeita o resultado, alega fraude e tumultua a transição de poder, contaminando a saúde da economia mundial com incertezas e uma crise eleitoral em um mundo já afundado na recessão econômica. Para a estratégia de Trump, ganhará a eleição de 3 de novembro quem dirigir os capítulos das próximas cinco semanas. E o debate ajudou o republicano. Os principais veículos da mídia de Washington qualificaram o embate como "caótico". Biden não teve espaço para apresentar suas propostas.
Trump se recusou a condenar os supremacistas brancos. Mas essa postura não é novidade. A base de apoiadores da extrema direita do republicano é formada por defensores de ideias extremistas, ideologias ligadas à pureza racial e a regimes autoritários e genocidas. Não é a primeira vez que Trump evita repudiar os culpados por crimes e marchas de supremacistas. Em agosto de 2017, após o escândalo da marcha de racistas, xenófobos, machistas e homofóbicos com tochas na mão pelas ruas de Charlottesville, na Virgínia, o presidente americano também resumiu o caso a uma interpretação sobre os limites da liberdade de expressão.
O mercado financeiro anda preocupado com o aumento do risco de uma demora na confirmação de quem será o presidente da maior economia do mundo em 2021. Na prática, o efeito disso é desvalorização de moedas de países emergentes como o real brasileiro e apostas negativas sobre a duração do quadro recessivo.
O debate acalorado, de baixo nível, superficial e sensacionalista só reforça o temor de que novembro será um mês de instabilidade institucional na principal democracia da América do Norte. Se os dois candidatos não conseguem ficar no mesmo recinto sem agressões pessoais, como se viu no debate, e trocam ameaças de questionar o resultado das urnas, com denúncias de fraudes na apuração, como apostar em uma melhora econômica diante de um impasse na Casa Branca?
Os investidores buscam portos seguros para seu dinheiro. O mundo precisa se recuperar logo dos estragos econômicos causados pela pandemia. O ritmo da geração de empregos, investimentos e redução de dívidas precisa ser acelerado, a fim de evitar que os anos 2020 se tornem uma década perdida, marcada pela pior pandemia do século. São desafios que perturbam gerações afetadas pela interrupção das economias durante os meses de confinamento. Questões sobre saúde, educação, meio ambiente e governança deveriam ser a prioridade dos candidatos em debates. A desqualificação moral como tática para distrair o público ávido por barraco é nociva à evolução das discussões da sociedade sobre a vida pública.
O debate de ontem nos EUA só se prestou a confirmar o triste diagnóstico de que o aprofundamento de ideias coletivas, a troca elegante de opiniões sobre os temas urgentes do nosso tempo, o discurso ético e moral das autoridades, bem como a originalidade e aperfeiçoamento de propostas da gestão pública, estão em falta. A importante fase do processo eleitoral - a discussão sobre a situação presente e sugestões de melhoria - se apequenou, virando apenas um capítulo deprimente de um reality show tosco e bizarro protagonizado por políticos.