Primeiro, foram os mercados financeiros a serem atingidos, quase na mesma velocidade em que o coronavírus se espalhou no fim de semana. Depois, grandes empresas multinacionais - entre as quais Facebook, LG, HSBC, Goldman Sachs e as brasileiras Vale e Petrobras - restringiram viagens de seus colaboradores à China. Nesta quarta-feira (29), grandes companhias aéreas cancelaram voos ao país.
Além de maior mercado consumidor de commodities, o maior produtor industrial e emissor de turistas do mundo está se fechando (e sendo forçadamente isolado) para conter o vírus. São medidas preventivas para reduzir a proliferação da nova doença que já começam a afetar a economia global, embora ainda seja cedo para medir impactos a médio e longo prazo - tudo dependerá da evolução do caso.
Os bancos e agências de classificação de risco já estão reduzindo projeções de crescimento do país. A S&P previu que, caso os gastos dos chineses, principalmente com transporte e diversão, caiam 10%, o crescimento do PIB da China pode recuar cerca de 1,2 ponto percentual em 2020. Como o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu um avanço de 6% no início do ano, a economia chinesa pode avançar só 4,8% em 2020.
Os múltiplos cancelamentos de voos ao país acontecem em um momento que a indústria da aviação mundial ainda se recupera da crise do Boeing 737 MAX, que após sucessivos adiamentos pela fabricante ainda não voltou a voar, quase um ano após o aterramento das aeronaves. O aumento da demanda dos chineses por viagens internacionais e domésticas nos últimos anos ajudou a sustentar o crescimento do mercado de aviação no período.
E este é justamente o período em que os habitantes da China mais viajam, o feriado do Ano Novo Lunar. Com início no dia 24, as festividades costumam durar uma semana, mas o governo chinês decidiu prolongar o feriado até 2 de fevereiro e algumas áreas industriais só podem retomar a operação entre os dias 8 e 10. Grandes cidades estão irreconhecíveis, com ruas desertas e a população dentro de casa.
A epidemia de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que surgiu no país entre 2002 e 2003, levou a uma queda de 45% da demanda de passageiros da Ásia no pico da doença e retirou entre 0,1 e 0,5 ponto percentual do PIB mundial daquele ano. Por enquanto, o que se sabe do coronavírus é que, embora tenha superado a Sars em número de casos, a nova doença matou menos pessoas. As incertezas permanecem.
No curto prazo, a bolsa brasileira e o dólar sentem mais o impacto das incertezas com a doença. A situação também trava viagens internacionais e negociações em andamento, o que deve afetar empresas nacionais - afinal, a China é o maior parceiro comercial do País. Dos US$ 18,1 bilhões exportados pelo Brasil no ano passado, US$ 5,3 bilhões tiveram a China como destino. Além disso, o Brasil importou US$ 2,6 bilhões em produtos chineses.
Com os escritórios da China fechados por mais tempo, tanto os exportadores têm mais dificuldades para vender seus produtos, o que pode impactar no preço final das mercadorias, quanto os importadores podem sofrer atrasos na entrega de encomendas, uma vez que as fábricas também estão paradas.
Mas há quem encontre um lado positivo. Os exportadores de carne brasileiros, que já viram um aumento exponencial da demanda asiática por proteína animal no ano passado devido à proliferação da peste suína africana na região, preveem que a epidemia de coronavírus pode aumentar a procura por alimentos brasileiros. Aconteceu em 2003 e pode voltar a acontecer.
O Brasil não sairá ileso dessa crise, mas ainda é cedo para projetar impactos maiores decorrentes do coronavírus. Além da saúde, a nova doença também ameaça a economia mundial, já fragilizada pela tensão entre Estados Unidos e Irã