As razões para assistir à 'Madame C. J. Walker'

Emocionante, extasiante, perturbadoramente boa. A atuação de Octavia Spencer em "A Vida e A História da Madame C. J. Walker" reinaugurou aqui por dentro a vontade de escrever sobre as artes que, dentre tantas, são mais caras para mim: as cênicas.

Foto: Foto: Divulgação/Netflix

Como o proposto nesse espaço que começamos a construir (eu e você, leitora/leitor, sem a/o qual nenhuma linha faz sentido) é o diálogo sobre a atuação e seus pares, não sigo o protocolo se iniciar minha fala versando de forma mais extensa sobre a genialidade da série "A Vida e A História da Madame C. J. Walker" que, dividida em quatro capítulos, fala sobre a história da primeira mulher a ficar milionária por conta própria nos EUA.

Por isso, em rápidas linhas, te conto que o drama, baseado na história real de Sarah Breedlove, traz a trajetória de uma lavadeira que, obstinada a ter uma vida diferente e a transformar a realidade ao redor, ressignifica as muitas perdas de seu caminho com disposição e personalidade únicas. Adianto também que a minissérie está disponível na Netflix e que, por razões que vão muito além do enredo, você precisa assisti-la. Urgentemente.

Uma vez apontada a necessidade de que o mundo conheça parte do universo interior de uma mulher negra e visionária que viveu em uma América cruel e excludente no início do século passado, vamos ao ponto: Octavia Spencer. Evoco o jargão manjado, porém em alta, da internet para suspirar aqui com vocês: que mulher!

Se dissessem que se trata da história dela, eu provavelmente não questionaria. O que o olhar de Spencer nos diz é que tudo que vemos na tela é, definitivamente, verdade. E, quando falo isso, não me refiro ao teor biográfico da trama, mas sim à mensagem que todo o trabalho passa com êxito.

O corpo de Octavia fala. Traz em si a carga dos anos que a personagem passou curvada sobre as bacias de roupa, ao mesmo tempo que é capaz de revelar a altivez decidida e definitiva de uma mulher capaz de proferir, em uma das cenas mais emblemáticas da trama, que não voltará para o que a destruiu. 

O cabelo também é discurso. Com uma história que tem como pano de fundo a indústria de cosméticos voltados para mulheres negras, a cabeleira de Spencer, que vai de uma pouca penugem sobre a cabeça a símbolo inquestionável de sucesso, acompanhando a ascensão da personagem Sarah, conversa conosco sobre feminilidade, angústia, aceitação, racismo e, até, sobre colorismo, conceito complexo que trata da distinção entre as dificuldades vividas por quem tem diferentes tons de pele. 

A narração precisa e cheia de sentido, entoada pela voz marcante da intérprete, me faz imaginar como é dificílima a missão de dublar Madame C J Walker. Muitos são os elementos que fazem crescer na tela o talento da protagonista, mas são os olhos da vencedora do Oscar com o longa Histórias Cruzadas (2011) que prendem o espectador, conduzindo-o inevitavelmente ao lugar ao qual essa mulher o quiser levar.

(Alerta de mini spoiler!) Destaque para a cena em que a personagem Sarah está na cozinha e revela ao marido que foi maltratada por aquela que irá se tornar sua maior rival nos negócios. A luta interior entre o se manter forte e o transparecer da dor se torna visível de uma forma tão bonita que, a partir dali, o trabalho da atriz é apenas manter o vínculo que já foi estabelecido entre seu papel e o público que acompanha atento cada passo dessa mulher que se vê na tela.

E Octavia faz isso. Conquista a atenção pra si. E sem ofuscar ninguém. Com a luz dos que entenderam a arte da interpretação como jogo, compreendendo que, para o desenrolar dessa brincadeira séria, o outro é peça fundamental.

Nas cenas que vêm em sequência, os altos e baixos da trajetória de Sarah Breedlove expõem, na atriz, uma profissional entregue à obra realizada, intensa e longe da obviedade.

Precisamos fazer uma observação

Apesar de ter dado, aqui, grande destaque à atuação da protagonista, muitas outras estrelas do elenco podem te fazer perder o fôlego entre uma cena e outra, tamanha verdade empregada no trabalho feito. Kevin Carroll, por exemplo. Responsável por dar vida ao advogado Freeman Ransom, o ator traz, com o personagem, nuances profundas, ainda que não explícitas. Falo sobre aquela credibilidade, muitas vezes mais presente no choro que se quer esconder que naquele pranto que se esforça para demonstrar.

Especialmente no quarto e último episódio, as questões pessoais do braço direito de Sarah ganham relevo e trazem à tona o potencial gigante do intérprete.

Para apreciar, refletir e aprender 

Todo o contexto artístico da minissérie contribui para que a obra seja um sucesso digno de muitos debates e reflexões profundas acerca do racismo, do machismo, das vulnerabilidades e fragilidades humanas. O enredo, por si, já vale muito a pena. Mas se você, como eu, é definitivamente conquistado pelas obras a partir do que nasce do encontro entre ator e personagem, essa minissérie terá, para ti, um sentido muito maior.