Ficção distópica ambientada no Ceará, "Sertânica", de Marcos Maia, é um alerta sobre nossos tempos

Primeira ficção científica do escritor cearense, obra ficou pronta durante a pandemia; nela, estão presentes reflexões sobre intolerância, tecnologia e o meio ambiente, pautas sintonizadas com a contemporaneidade

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Marcos Maia projeta outro livro de poesias, um de contos de terror e um romance ("O Laudêmio de Deus")
Foto: Divulgação/Benya Gomes

A ficção reserva território fértil à especulação. Oferta alternativas de imaginar o futuro, prever os destinos da civilização e refletir os percursos dessa história. Entretanto, a arte de criar o porvir, situado em um mundo alternativo anos na frente, adquire substrato nos fatos do real. Investigar o presente é um recurso viável à tentativa de pensar outros contextos temporais.

Observar este contemporâneo é elemento precioso à produção de Marcos Maia. "Sertânica", novo trabalho do autor, nos apresenta uma ficção científica distópica, cujo cenários narrativos são terras e mares do Ceará. É sua estreia no romance. Antes, publicou "Do Escuro E Depois" (contos, 2012), "Estradas" (poesia, 2014) e "In Fine" (contos, 2015).

Também arquiteto e músico, Marcos Maia vive há mais de uma década em São Paulo. No entanto, o livro começou a ser escrito quando ele ainda morava por Fortaleza. Na capital, atuou na cena musical entre os anos 1990 e 2000. Foi baterista das bandas Veni Vidi Vici, Soulzé, Groove e Únite.

Legenda: Marcos Maia vive há mais de uma década em São Paulo, mas o livro começou a ser escrito enquanto ele ainda morava em Fortaleza
Foto: Divulgação/Benya Gomes

"Sertânica" ficou "na gaveta" (ou melhor, "no HD", corrige o autor) até 2019. Nesse intervalo, aos poucos, foi sendo desenvolvido e ganhando forma. A primeira ideia era entregar um conto. Aquele universo nas mãos exigia bem mais.

Autor ligado à escrita de contos, Marcos Maia aponta que seus textos com o formato são geralmente rápidos e curtos, não ultrapassam as sete páginas.

"No conto você resolve ou não resolve (o que é mais interessante) muito rápido. O romance exige muito planejamento, desenvolver mais os personagens, os aspectos de verossimilhança...", detalha o escritor.

"Sertânica" envolveu duas décadas de escrita. No fim de 2019, Marcos Maia percebeu que era o momento da obra ser publicada. "Ou você mata o romance ou ele te mata", descreve. Faltavam poucos arremates. Tirou uma semana de férias entre março e abril de 2020 para encaixar os últimos detalhes. Curioso destino. A primeira ficção científica do cearense ficou pronta durante a pandemia do coronavírus.

O cenário catastrófico de mortes e negação da ciência aterrorizou o autor. O que antes era literatura tornou-se palpável e materializado diante dos olhos. "Parece uma profecia, você vê as coisas que os literatos, os poetas e sonhadores falavam. As coisas estão acontecendo".

Leitura

"Sertânica" atravessa debates caros ao momento, compartilha o autor. "Foi interessante. Já vinha escrevendo há muito tempo, mas percebi temas que estavam presentes no romance. A intolerância, a tecnologia e o meio ambiente. Pautas que fazem parte da nossa sociedade contemporânea. Essas três coisas foram potencializadas com a pandemia", descreve.

O isolamento e decadente realidade brasileira poderiam ter inviabilizado a finalização do livro. No entanto, a escolha de Marcos Maia foi bater de frente e finalmente entregar o material.

"Sertânica" é uma cidade que existe no fundo do mar. Foi construída com o fim dos recursos naturais da Terra.

Legenda: Instigantes ilustrações dão conta de povoar o imaginário de "Sertânica"
Foto: Ilustração de Fernando Gallo

Na vastidão desse território, o cearense elabora a trama. Ele comenta o quanto os homens gastaram dinheiro para mandar desbravar lua e estudar o sistema solar.

Em "Sertânica", o mar é indecifrável e as cidades submarinas da linha temporal de Sertânica guardam o suprassumo da tecnologia desse planeta imaginário. O cenário é o Ceará. Litoral da Praia do Futuro, 100 km na direção do mar.

A pesquisa envolveu estudar a formação geológica cearense. "Você vai escrever ficção científica e troca ideias que não existem, mas dentro de uma realidade factível", argumenta.

Todos os livros anteriores de Marcos Mais foram impressos com verba própria. Com "Sertânica", um romance, a opção foi investir no financiamento coletivo. A campanha foi de 1 de agosto a 30 de setembro e foi encerrada com sucesso. A próxima etapa é enviar as recompensas e os livros para os apoiadores.

Legenda: Temas caros à contemporaneidade são retratados em palavras e desenhos
Foto: Ilustração de Alexandre Vital

Futuro

O livro segue na gráfica, processo que se encerra no começo do mês de novembro. Para 2021, o desejo de Marcos Maia é organizar os lançamentos presenciais. Os planos incluem para Janeiro ou Fevereiro uma ação em Fortaleza.

Amigos de longa data marcam presença efetiva em "Sertânica". Os arquitetos Fernando Gallo e Alexandre Vital assinam as ilustrações da obra. A resenha da orelha do livro foi escrita pelo historiador João Paulo Peixoto. O prefácio ficou por conta do Romeu Duarte Jr..

A experiência com o financiamento coletivo permite ao autor recomendar o modelo de trabalho.

"Está dentro dessa nova economia. Envolve você fazer um esquema de cooperação. É uma venda antecipada no final das contas. Funciona com quadrinhos, cinema, gravação de discos. Depende do jeito e do seu esforço de convencer as pessoas, a rede de contatos. Planejando você consegue fazer", finaliza Marcos Maia.

Sertânica
Marcos Maia

Coletivo Supernova
2020, 264 páginas
R$ 45 (preço de pré-venda)

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