Editorial: Inclusão sob ameaça

O brasileiro vem, nos últimos anos, experimentando possibilidades de ser solidariamente responsável – ou responsavelmente solidário, dependendo do ângulo que se analise o comportamento. As motivações variam: uns buscam se fortalecer como cidadãos, outros visam a solidificar os fundamentos da vida em coletividade; uns se propõem a corrigir situações históricas com efeitos nocivos de longo prazo, outros tentam incluir pessoas nas bases produtivas das comunidades. Há razões para todos e, admitamos, são razões justas.

Pois tramita no Congresso Nacional, inicialmente em regime de urgência, mas já retirada essa condição, projeto que propõe alterações legislativas que atingem de modo drástico a política de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. É o PL 6159/2019, que deu entrada na Câmara dos Deputados. A iniciativa elimina, de maneira tão aguda quando inexplicável, direitos que vêm sendo implementados, à custa de debates e apreciações jurídicas e científicas, no decorrer das últimas décadas, com ganhos inquestionáveis para parcelas mais desfavorecidas da sociedade.

Entre vários pontos, já sob contestações de organismos que se relacionam aos mundos do trabalho e da inclusão de pessoas com deficiência, a matéria determina que sejam excluídas todas as vagas nas empresas de prestação de serviços terceirizados e temporários contratadas por órgãos públicos, desobrigando-as de cumprir a cota de quem tem deficiência ou tenha sido reabilitado.

O texto estabelece, ainda, que as pessoas com deficiência tenham de requerer a suspensão do pagamento do Benefício de Prestação Continuada, acessível a quem tem condições distintas, antes de requerer o auxílio-inclusão – numa medida fragilizadora, a ser tomada sem que se saiba se será ou não concedido o benefício.

Outro item permite que as empresas substituam a obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência pelo pagamento de multa correspondente a dois salários mínimos, durante três meses (cerca de R$ 4 mil), valor que será absorvido pelo Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional.

O projeto, elaborado pela equipe do Ministério da Economia, tem, de fato, argumentos que levam em consideração a situação do mercado, diante da necessidade de se retomar o crescimento. O principal é o de que as empresas precisam ser desoneradas para que possam funcionar, ter rentabilidade e lucro, além da capacidade de gerar receitas públicas e, assim, sustentar a economia. Não é um argumento desprezível, claro, mas exige que se analise o assunto não apenas sob a frieza dos números, mas sob o calor da dignidade. E, também, que seja visto sob a lógica de que os princípios e os fins de quaisquer empreendimentos têm vínculos indissolúveis com a Nação e seus alicerces, sem os quais perderiam até mesmo as mais básicas razões de existir.

Já há reações políticas de grupos organizados em torno do projeto, com a rejeição manifesta de todo o conteúdo. As pressões se fazem, primordialmente, sobre as instâncias parlamentares, às quais cabe apreciar a pertinência e a legalidade da proposta.

Mas há também os julgamentos do cidadão e da história. E esses tendem a ser rigorosos e implacáveis.