Editorial: Cartas de intenções

O componente ideológico tomou para si as atenções políticas nos últimos anos. Assistiu-se à construção de um cenário polarizado e, não poucas vezes, ocupou o lugar do debate público de ideias. Ainda que, em princípio, não se possa negar que algumas diferenças são inconciliáveis, a troca de hostilidades não traz ganhos para sociedade. O contrário é verdadeiro. O certo é que o cidadão perde com um ambiente que troca a razão pelas emoções exaltadas, que não poucas vezes ignoram questões técnicas da administração pública. Surgem discursos onde coerência, competências e as jurisdições dos cargos pleiteados são ignorados.

É compreensível que as paixões se façam presentes na política, dada sua proximidade e importância para a vida em sociedade e para cada indivíduo em particular. Afinal, desde a raiz da palavra, que remonta à Grécia antiga, a política é aquilo que é próprio da sociedade, o que é de interesse de todos como cidadãos. Nessa esfera, tomam-se decisões e protagonizam-se ações que têm influência direta no cotidiano de cada pessoa, esteja ela interessada ou não no debate político.

Por sua importância à vida de cada cidadão, justamente, é que a temperança deve ser uma qualidade do debate e dos embates políticos. Sabe-se que o objetivo do sistema político é a manutenção da ordem pública pactuada, garantida pelas leis e instituições de determinado território, e a defesa da integridade daqueles que vivem nele e sob suas regras. Para tal, o instrumento da razão se faz indispensável. É mister ter e apresentar ideias claras e um pleito deve ser, fundamentalmente, uma disputa saudável entre projetos - no caso das eleições de novembro - para os municípios. Os humores não devem turvar a visão do que importa, do que de fato está em jogo na escolha deste ou daquele projeto de administração do bem público.

Em vistas do esclarecimento, o cidadão tem disponível os planos de governo elaborados pelas candidaturas de cada postulante a representá-lo, neste pleito, no cargo de prefeito. Neste documento, os candidatos ao Executivo precisam informar suas principais ideias e propostas para a administração municipal.

A apresentação da Proposta de Governo é obrigatória, desde 2009, quando o documento tornou-se uma exigência para as candidaturas, conforme consta hoje na Lei 9.504/97, que regula as eleições brasileiras. A proposta consta na lista de documentos que o candidato precisa enviar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob pena de não ser habilitado a participar da disputa eleitoral.

Apesar de ser compulsória, a Proposta de Governo não segue uma padronização. Infelizmente, esse é um ponto negativo que atravessará o caminho do eleitor que se dispõe a conhecê-los. Contudo, mesmo que longe do ideal, está disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral, juntamente a outros documentos obrigatórios exigidos dos candidatos, esse documento singular.

Uma Proposta de Governo é uma carta de intenções, um compromisso firmado com toda a sociedade. Em princípio, conhecê-lo contribui para que as escolhas tomadas sejam feitas de forma consciente, fundamentadas e certificadas. É o que exige um ato fundante e definidor, como o sufrágio que espera a sociedade no próximo mês de novembro.


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