A farofa da GKay e a crise estética

Se você é do time que não sabia quem era Géssica Kayane, mas ouviu falar da tal da Farofa da GKay, não se preocupe, você não está sozinho! Relata-se que dos 5 milhões de seguidores que a influencer conquistou em 2021, 30% chegaram em uma única semana, exatamente a da tal Farofa.
A Farofa da Gkay é a comemoração de aniversário da influencer Géssica Kayane e acontece desde 2017, entretanto, foi somente no ano passado que a festa dominou os meios de comunicação, tomando, neste ano, proporções, até então, inimagináveis e se consolidando como um modelo de negócio bem sucedido.
Compreender o fenômeno Farofa da Gkay vai além de nosso julgamento moral. Confesso o estranhamento pessoal com o mar de subcelebridades mendigando likes com seus looks, milimetricamente pensados, nos quais a estética do belo é esquecida. Vivemos uma crise estética, mais que o belo, o harmônico, o crucial é chamar atenção, ainda que pelo horrendo, pelo apelativo.
Podemos torcer o nariz para a fanfarronice dionisíaca, mas é inegável que a influenciadora sabe, com maestria, utilizar de afetos e características próprias da pós modernidade em favor próprio, em um negócio multimilionário - que custou 2,7 milhões de reais no ano passado e neste ano se estima um gasto de 8 milhões de reais.
Gkay entende, por intuição, estudo ou boa assessoria, que não vivemos mais em um sistema broadcasting de comunicação – em que um emissor transmite para toda a comunidade sua mensagem, tal qual na época de ouro da rádio e televisão, em que emissoras detinham o poder de comunicação.
A ascensão das redes sociais e da internet móvel possibilitou que espectadores passivos se transformassem em criadores de conteúdo e é neles que GKay investe.
A lista de convidados é composta, majoritariamente, por influenciadores, estes criam conteúdos (independente da qualidade) sobre a festa e a festa vai escalonando até chegar em pessoas como eu e você que sequer conheciam Géssica. Entretanto, não basta escalar um time de influencers, é necessário também gerar desejo pela festa e aqui o gatilho da “exclusividade” fala alto, é preciso ser convidado para estar lá.
Os conteúdos compartilhados pelos influenciadores, a aura de exclusividade parece ter provocado a curiosidade do grande público. GKay, antenada como é, os atendeu: neste ano sua festa tem tido partes televisionadas, como um grande festival que você não poderá fazer parte. Ora, mas se a Farofa é televisionada, não estaria o gatilho da exclusividade em risco? Eis o brilhantismo: deu-se total ênfase na divulgação da existência do “Dark Room” – um quarto destinado à “pegação”, com instrumentos e cama de sadomasoquismo, no qual filmagens e celulares são proibidos.
Com roupas e comportamentos duvidosos, as (sub)celebridades naturalizam a performance, o importante é ser instagramável. Tudo é pensado para ser transmitido, até o que não se pode transmitir é relatado exaustivamente, atiçando a curiosidade do grande público. Os cenários são milimetricamente dispostos, não faltam points para selfies e fotos.
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A estética do simples e do belo desaparece e dá lugar ao espalhafatoso, ao grandiloquente, ao excesso – o intuito não é o equilíbrio, mas o chamativo; não é o elegante, mas a mais pura deselegância em prol da plateia que assiste à festa por meio do seu influencer favorito. Algumas polêmicas parecem compor o cenário de faz de conta das redes sociais, parecem até mesmo pré-fabricadas com o intuito de serem replicadas na web - a peteca não pode cair.
A crise estética é um fato, mas um grande negócio. Lembro de um colega que certa vez me perguntou: Maria, você está na rua, olhando uma Ferrari linda e novinha que passa ao seu lado esquerdo. De repente, um barulho: uma batida de um Fusca com um Chevette 83 – para onde você acha que olharia no momento da batida? Inegável, uma batida de latarias velhas rouba a cena.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora