The Outsider: parceria entre HBO e Stephen King dá início à temporada das grandes séries de 2020

A 1ª temporada de "The Outsider" termina no próximo domingo (8) e já existe uma legião de seguidores à espera dos próximos episódios.

Depois do sucesso arrasador de "Chernobyl", a HBO começa o ano com uma produção baseada no novo livro do mestre do suspense. Em 10 episódios, o sobrenatural toma a forma dos piores pesadelos humanos em meio a uma atmosfera que mistura elementos de Thriller e horror.

Veja o trailer abaixo: 

Fãs de Stephen King sabem bem que o escritor não economiza páginas e criatividade quando constrói suas obras. Das mais de 400 publicações (entre romances, contos, antologias e livros de não ficção) com sua assinatura, dezenas entraram para a história do cinema e da TV. Impossível não lembrar de sucessos como "O Iluminado", "Carrie, a Estranha" e "Um Sonho de Liberdade", além de "It", claro.

Quando as histórias de King encontram a direção certa e um elenco brilhante, acredite, teremos um filme ou série de TV que se tornarão referência no gênero. É assim com "The Outsider".

A narrativa fluída e envolvente do autor se desenrola a partir do assassinato brutal de Frank Peterson, um menino de 11 anos. Seu corpo violentado é encontrado em um parque florestal no condado americano de Cherokee, na Geórgia. Testemunhas e um farto material genético, incluindo impressões digitais, são inequívocos: o crime foi cometido por Terry Maitland, interpretado por Jason Bateman (o ator também dirige os dois primeiros episódios). O cara é simplesmente uma das pessoas mais respeitadas da cidade. É casado, pai de duas meninas, trabalha como professor e é treinador da Liga Infantil de beisebol.

Legenda: Pronto, está montado o circo de horrores.

Cabe ao detetive Ralph Anderson (papel sob medida para Ben Mendelsohn) cuidar do caso. Como pai que também perdeu um filho adolescente, tudo que ele quer é colocar o "monstro" na cadeia e jogar a chave fora. Revoltado, ele não consegue afastar da cabeça a possibilidade de seu próprio garoto ter sido molestado pelo professor.

Algemado e preso durante um jogo onde estão seus alunos, os pais e sua própria família, o professor, porém, jura inocência e garante que pode provar, já que no dia do crime estava numa conferência, em uma cidade a 100 Km de distância. Viajou acompanhado de outros dois professores e tem dezenas de testemunhas que podem confirmar seu álibi. Não é preciso dizer que também há digitais suas por todo o hotel onde ficou hospedado. Provas cabais, portanto.

Impossível? Não quando estamos numa trama de Stephen King.

Como o próprio escritor diz, "há momentos em que para compreender o mundo real, é preciso expandir o senso de realidade".

O primeiro passo rumo ao mistério foi dado. Há duas hipóteses e provas que corroboram ambas. O crime que parecia resolvido é mergulhado num turbilhão de dúvidas. Um pesadelo tanto para a família que perdeu um jovem de forma abominável quanto para  um homem honrado que vê sua vida destruída pelo que ele afirma ser uma falsa acusação.

A partir daí o que vem a seguir são os loopings intermináveis de uma montanha-russa emocional. Tensão crescente a cada nova pista descoberta. A atmosfera de angústia é potencializada por diálogos cortantes e silêncios eloquentes. Do tipo que só vemos em funerais. Do tipo de quem não tem o que o dizer diante da morte. Afinal, existe pesadelo pior do que perder uma pessoa amada e acordar todos os dias assombrado pelo fantasma do luto?

Bom lembrar, no entanto, que a série é entretenimento. Tem ação, investigação e sustos nada convencionais (disso as salas de cinema andam cheias). Prende, vicia, convida você a ver um pouco mais, apesar do ritmo, por vezes, se tornar lento em demasia. Como um relógio quebrado. Incomoda. Mas, como sabemos, nas tramas de King, nada está lá por acaso. Afinal, não superamos nossos traumas e perdas num estalar de dedos. É preciso tempo e uma boa dose autossuperação.

"Existem coisas muito estranhas nesse nosso mundo e o que sempre me interessou em histórias como essas é a forma como uma pessoa lida com o inacreditável", confessou o escritor durante o lançamento de "The Outsider", na HBO. O livro homônimo, vale lembrar, já é um Best-seller a despeito de suas 528 páginas. Um feito e tanto em tempos onde se lê tão pouco.

Legenda: Tudo que a história pede é que o espectador abra a mente para o improvável.

Isso é essencial porque, pouco a pouco, o elemento sobrenatural é inserido no contexto das personagens já abaladas pelo horror da vida real. Nisso, a obra lembra a construção de "It".

Quando o "Bicho-Papão" da vez mostra sua face ao público, amparado por lendas que atravessaram gerações e podem sim ser consultadas até no Google, somos apresentados a uma das melhores personagens já criadas por King. Ela se chama Holly Gibney, uma detetive particular que se junta à força policial e ao advogado da família de Terry Maitland para desvendar o verdadeiro culpado pela tragédia que se abateu sobre todos. Ninguém no mundo poderia fazer o papel tão bem quanto a atriz e cantora Cynthia Erivo (ma-ra-vi-lho-sa). Guarde esse nome. Com certeza você vai ouvi-lo em muitas premiações neste e no próximo ano. Ela simplesmente é a "alma" (não é spoiller, juro) da série.

Legenda: Nascida na Lituânia, Holly é recrutada por usar métodos nem tão ortodoxos assim.

Sem descartar possibilidades, o dilema dela é converter um cético em alguém capaz de ver o perigo real em uma entidade sobrenatural.

Quem tem olhar mais atento perceberá que a atmosfera muda quando Gibney chega. O ar é denso, as imagens são banhadas em cinza e as músicas (incluindo os efeitos sonoros) ganham corpo, como se fossem coadjuvantes. Os enquadramentos também chamam atenção. Sufocam. Um bom exemplo são as portas de dentro das casas. Elas são enquadradas simetricamente, num jogo de luz e sombras que passa a sensação de um infinito escuro, pesado.

Também há cenas violentas. Bastante até. E elas são cruas, mas nunca explícitas demais ou desnecessárias. Nada de apelação. A tortura se dá mais em nível da psiquê. O medo, a gente sabe, tem muitas faces.

O roteiro, bem ancorado pelo livro, reflete claramente uma das obras mais sentimentais de Stephen King. Nos colocar no caminho do "Estranho" talvez seja a forma do escritor nos lembrar (de novo) que o luto é luta. O tema já apareceu em "Cemitério Maldito" e "Conta Comigo". Ele também nos faz lembrar que precisamos, desesperadamente, de mais empatia. Precisamos de mais compaixão e de menos julgamentos públicos - em todas as esferas.

Como se não bastasse, a série nos coloca frente à frente com nossos próprios monstros ao acompanhar tragédias alheias irremediáveis. A ficção tem sim o enorme poder de nos sacudir. Assim como o de expurgar os temores, a angústia e por aí vai...

Se você não viu "The Outsider", acredite, vale maratonar. Sem medo!



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