Como nos gramados, o jogo político também precisa ser suspenso

Em meio à pandemia, regimes populistas não dão respostas à crise da saúde e da economia e tentam concentrar ainda mais poderes

Em Brasília, duas forças do Governo Federal seguem tendo atritos. De um lado, o Ministério da Saúde tenta se manter firme numa condução técnica e, por vezes, cruamente realista da crise. De outro, o presidente da República parece tomar a pandemia como um ataque pessoal, negando a gravidade da situação, repreendendo seus técnicos e alardeando conquistas que, de fato, não foram feitas.

A medida provisória editada pelo presidente na sexta-feira (20), concentrando no Governo Federal o poder para restringir circulação de pessoas, não seria problemática se o Planalto tomasse para sí, de fato, a articulação entre os estados. O que fez lembra o menino que, de tanto tomar dribles, pega a bola com as mãos, diz que ela é sua propriedade e paralisa o jogo. Mas, em tempos de pandemia, não é de um jogo que se trata.

A ação ecoa a do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que pressiona o parlamento do país a estender o estado de emergência. Na prática, seus poderes seriam ampliados, podendo monocraticamente suspender leis e aprovar decretos. É prevista a pena de 5 anos para quem desobedecer diretrizes do primeiro ministro e espalhar notícias falsas.

Qual o problema da centralização do poder? Suas possibilidades totalitárias. Atualmente, não falta ao governo húngaro autonomia para lidar com a crise. O estado de emergência não teria um prazo, cabendo ao primeiro-ministro decretar o retorno à normalidade das instituições do país.

O perfil de Orbán, antidemocrático e populista, suscita dúvidas sobre sua condução frente à crise do coronavírus, se dotado de superpoderes. Lá, como cá, o primeiro-ministro já duvidou da gravidade da pandemia, acusou a China de mentir sobre seu sucesso na contenção do contágio e acusou os médicos do país de promoverem um ataque político, quando alertaram que não havia disponível equipamento de proteção suficiente para médicos, enfermeiras e outros profissionais de saúde que estão no front.

Donald Trump, o presidente dos EUA, não poucas vezes comparado com o Orbán deles e o nosso Bolsonaro, foi outro que desdenhou da ameaça da Covid-19. A nação mais rica e poderosa do mundo demorou a agir, contabiliza mais de 23 mil diagnosticados com a doença e 300 mortos. Acostumados a serem um exemplo para o Ocidente, os Estados Unidos pouco tem se destacado nessa crise e, quando isso acontece, é por tensionar suas relações com a China ou, pasmém!, receber ajuda de um bilionário do país asiático.

Lideranças populistas estruturam seu discurso em fórmulas simplórias. Alardeiam a necessidade de medidas extremas, numa espécie de tudo ou nada, e vendem a ideia de serem invictos, desde que possam agir sem regulação ou "mimimi" de outros grupos políticos. Na Ásia, onde o coronavírus tem sido controlado com maior eficiência do que o Ocidente, a saída foi tudo menos simplória ou negacionista. Se as antipatias ideológicas os fazem duvidar da China "comunista", há bons exemplos nos países capitalistas, como Coreia do Sul e o Japão. Em comum, as nações do Oriente lançaram mão da disciplina dos cidadãos e de uma pausa nos jogos políticos. Se até as partidas de futebol foram suspensas, por que alguns políticos insistem em manter seu jogo rolando?



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