Bibliotecas livres em perigo

Perdi-me nas ruas do Curió, mesmo usando o GPS. Abri a janela do carro e, um pouco descrente, perguntei a um rapaz que passava se ele sabia onde ficava a biblioteca do Curió. Ele sorriu e no mesmo instante apontou uma rua, dobra aqui, vira ali, direita, esquerda, e chega lá.

Curió, um lugar pequeno, encravado entre Messejana e Lagoa Redonda, ficou conhecido por uma chacina. Hoje é o bairro da biblioteca Livro Livre Curió. Foi um poeta, Talles Azigon, que escreve excelente poesia, quem criou a biblioteca livre, com ajuda da família, de amigos e moradores do bairro. Chegando lá, conhecendo os livros das estantes, as atividades, as histórias que se passam, as comemorações, tudo o que acontece naquele acolhedor espaço, vendo as imensas bandeiras estendidas no chão e as crianças pintando-as, deu para compreender como uma pequena biblioteca pode inspirar uma comunidade a viver bem melhor. O clima era alegre, vitorioso.

Assim como a Livro Livre Curió, existem outras bibliotecas comunitárias, com uma história semelhante: Papoco de Ideias, no bairro Pan Americano; Biblioteca da Filó, dos bairros Santa Filomena e Jangurussu; a Narcoteca, no Pirambu; a Bate Palmas, no Conjunto Palmeiras; a Okupação, no bairro Antônio Bezerra; o Livro Livre Quintal Cultural, no Grande Bom Jardim; a Biblioteca Viva, no bairro Barroso; a Viva a Palavra, no bairro Serrinha
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Essas iniciativas de pessoas generosas e dedicadas estão correndo o perigo de serem fechadas. Elas não têm nenhum vínculo com instituições particulares ou públicas, são independentes. Vou usar aqui as suas próprias palavras: atendem a um número imenso de pessoas, não apenas com empréstimo de livros, o que já seria uma ação grandiosa, que o próprio Estado não dá conta; realizam oficinas, cursos, orientações direcionadas; fazem inscrições em editais, assim levam crianças para aulas de dança, teatro; fazem exposições científicas de astronomia, saraus, festivais de poesia, atividades com jogos de tabuleiro; orientam as suas comunidades em questões sensíveis como a dengue, e agora a pandemia do corona. Auxiliam escolas públicas, comunicam, transformam a identidade negativa, desenvolvem a boa estima, em ambientes de abandono e violência.

São apoiadas por pessoas que doam dinheiro, material, livros, e seu próprio tempo. Mesmo no meio dessa pandemia, elas não pararam. Ligam para aqueles que frequentam as bibliotecas, prosseguem com a redistribuição das doações que recebem, continuam a atender as famílias e as crianças da comunidade, que confiam no trabalho desses jovens. Mas agora estão sem recursos para pagar o aluguel, a água, luz, os gastos com a manutenção da biblioteca e com as pessoas que trabalham.

Se essas bibliotecas fecharem vai ser uma perda enorme de esforços, de melhorias, um desastre de quais proporções nós não sabemos, com a volta do sentimento de abandono que sempre oprimiu essas comunidades que sofrem do mais cruel dos males de nosso país, e o deixa nos piores postos mundiais: a desigualdade social. Todos, pessoas e instituições, precisamos ajudá-los. São agentes da paz e de um equilíbrio quase impossível.

O telefone da Livro Livre: (85) 98154-3909; livrolivrecurio@gmail.com



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