A violência nas ruas

O mundo está pegando fogo, eu disse a uma amiga. Ela mora em Nova York, e me mandou umas fotos que tirou da janela do seu apartamento: um carro incendiado, gente de roupa preta e máscara ocupando a rua, um homem grita em cima de um ônibus, punhos fechados. Todo mundo saiu da quarentena e foi para as ruas, diz a minha amiga, que é a favor das manifestações.

Ela está inquieta: Por que, realmente, eles saem às ruas? A palavra de ordem é I can't breathe, Eu não posso respirar, frase que foi repetida várias vezes por George Floyd, enquanto o joelho de um policial esmagava seu pescoço, numa rua de Minneapolis. A cena é de estraçalhar o coração. George não xinga, não se debate, ele quer respirar, ele quer a mãe. Mãe, mãe, ele sussurra. George é mais um afro-americano massacrado pela violência policial. E cada vez mais gente vai para as ruas, pretos, brancos, jovens, velhos, a maioria pacífica, mas alguns incendeiam carros, quebram vitrines, saqueiam lojas. O país entrou em convulsão. Policiais jogam bombas de lágrimas ou de pimenta, outros policiais se ajoelham, pedem perdão e são abraçados por manifestantes. O mundo assiste, o mundo aprende.

Vi no meu celular um vídeo que, dizem, foi o Robert de Niro quem postou - podem estar usando o nome dele falsamente, todos sabem que ele sempre teve namoradas negras. Um vídeo terrível, com uma sucessão de violências - porradas, tiros, assassinatos da polícia contra pessoas negras. Aqui, policiais tinham acabado de matar João Pedro, um menino de catorze anos que brincava com amigos na casa do avô de um primo. Era uma operação policial num bairro de Niterói, Rio. Nós também fomos protestar nas ruas, mostramos indignação em redes virtuais. As pessoas estão zangadas.

Todos têm motivos para estar zangados. Uma raiva antiga, que vem se acumulando com o tempo. "Não deixe eles convencerem você de que quebrar vidros ou propriedades é a violência. Fome é violência. Morar na rua é violência. Guerra é violência. Jogar bomba nas pessoas é violência. Racismo é violência. Supremacia branca é violência. Nenhum cuidado com a saúde é violência. Pobreza é violência. Contaminar fontes de água para obter lucros é violência. Uma propriedade pode ser recuperada, vidas, não", postou o estilista norte-americano Marc Jacobs, em apoio a manifestantes que quebraram sua loja de Los Angeles.

Podemos continuar a lista. Queimar florestas para ter lucros é violência. Cortar árvores é violência. Exterminar índios é violência. Jogar mercúrio nos rios é violência. Lixão é violência. Machismo é violência. Homofobia é violência. Pregar a violência é violência. Armar uma população é semear violência. A desigualdade social é uma violência tão maléfica como a corrupção, também violência. Torturar e matar são violências. A apologia da tortura é violência. Mentir para obter um fim é violência. Xingar é violência. Impunidade é violência. Destruir a esperança é violência. Atacar o mais fraco é violência e covardia. Miséria é violência. E a violência é contagiosa. Tanta violência, as pessoas não conseguem mais respirar. (Não há respiradores para todos). Não é mais uma questão de preto e branco, diz Spike Lee, mas de escolher entre amor e ódio.



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