Escarafunchando desusada caderneta de notas para feitura de artiguetes, encontrei anotações sobre um presunçoso conhecido por Doutor Garnisé.
Fornecidas pelo saudoso compadre Geraldo Bezerra dos Santos, inesquecível contador de histórias e funcionário da antiga Rede Viação Cearense (RVC), faz-se tema hoje.
Anos 1950. O Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), precursor da Rede Ferroviária Federal S.A. (Rffsa), destinou a RVC 15 Locomotivas Whitcomb, de fabricação norte-americana, subutilizadas na Bahia.
Acompanhando essas “Marias-fumaça”, veio o aludido doutor que, segundo Geraldo, mostrava-se indivíduo de “muita prosopopeia e decretos-lei”. Expressão traduzida por Tomaz Acioly, dele amigo e também ferroviário, como “lambança e arroto choco”. Arrogante, baixinho, vaidoso e intrometido, o baiano era o atrevimento em pessoa.
Ungido, politicamente, manteve-se na ferrovia e infiltrou-se nos vários setores. Dizendo-se técnico renomado, especialista em bitolas de trens, bondes e veículos outros sobre trilhos, enunciava-se autor de tese em caldeiras a vapor. Não se cansava de chamar os funcionários de incompetentes e afirmar que “todo o sistema carril estava errado”.
Na capa de uma pasta tipo A-Z, prenhe de folhas de papel datilografadas e sempre sobraçada, lia-se: “Estudos, correções, planos e projetos para uma moderna estrada de ferro no Estado do Ceará”.
Frequentou solenidades no Palácio da Luz, postando-se, furtivo, ao lado de autoridades. Mostrou-se em comícios, inaugurações, sepultamentos, casamentos, batizados e mais acontecimentos.
Eleito o novo governador, antes considerado perdedor, soube que Garnisé votara no adversário. Influiu e conseguiu indicação do superintendente da RVC. Este, empossado, assinou ofício devolvendo o “doutor” a Salvador, Bahia, onde era lotado na Viação Férrea Federal Leste Brasileiro.