Arraia, pião e bola de gude

A memória de cabeça já quarentona ainda traz lembranças das brincadeiras de criança. Inocentes e divertidas, sempre coletivas, sociabilizava e divertia gerando sorrisos largos e poeira nos pés. Soltar arraia (pipa); jogar pião; jogar bila (bola de gude); triângulo (fura chão); e tantas outras que fizeram parte de minha infância simples, porém de muitas felicidades. Feliz, exatamente por ter sido simples!

Nada era tão "massa", legal mesmo! Montar com palitos de coqueiro, papel celofane e cola de grude aquela arte; ficar de cara pro ar olhando a arraia subindo cada vez mais alto impelida pelo vento, enquanto a linha de algodão ia desenrolando do carretel por entre os dedos o itinerário desejado para minha vontade de voar, sair da terra, viajar. Sonho de menino!

Que pena que os meninos de hoje já não sonham mais... A diversão se agigantava quando disputávamos enlaces entre várias arraias em pleno céu, tentando um "engodo" das caudas ou dos fios de linha. Tudo brincadeira, diversão inocente, sociabilidade, interação humana. Mas que pena! Tudo ficou para trás. Contudo, o que é imortal nisso é a lembrança de tão aprazível tempo. Aquilo tudo fora no estalar de dedos, sendo substituído pela vida urbana; os becos de favela (comunidade); os pivetes (gangueiros); a violência. Tudo foi se transformando, isolando grupos aqui e ali.

Diversão individual, de quando em quando, um coletivo virtual pelos computadores e celulares; e veja lá: quase sempre com jogos violentos!

Ah! pobre arraia. De brinquedo inocente e agregador, transformou-se pela violência em instrumento de "alerta", em prol do crime e dos criminosos. Fica suspensa no ar pra dizer que tudo está favorável; desceu, é que a polícia tá vindo aí. Como o tempo muda radicalmente as coisas e suas significâncias.

Que pena! E o menino nem vai mais pra escola. Antes soltava a arraia pela beleza das cores e do movimento, do artesanato que voa, agora recebe um trocado pro crime continuar fluindo.

Tá empregado! A sociedade do consumo conseguiu transformar o lúdico, o cômico em verdadeira tragédia! Se o presente é este, que pelo menos o futuro seja diferente, ou quem sabe, como diria Cazuza: "eu vejo o futuro repetir o passado" - dos meus tempos de criança, onde soltar arraia era apenas brincadeira de criança.

Edmar de Oliveira Santos. Escritor