Uma declaração do prefeito José Sarto (PDT), em março deste ano, foi o estopim para a crise interna do PDT que ameaça implodir a ampla aliança que sustenta o Governo no Estado. Ele foi a primeira liderança pedetista a vir a público defender um dos pré-candidatos como "o melhor nome do PDT" para a disputa pelo Palácio da Abolição.
O apoio foi dado ao seu antecessor na Prefeitura de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). A declaração - que gerou reações, como a do ex-governador Camilo Santana (PT) - acabou tornando público o acirramento em torno do ex-prefeito da Capital e da governadora Izolda Cela (PDT) sobre quem será o candidato governista.
Com mais de três décadas de vida pública, o pedetista é apontado, por cientistas políticos, como um político 'de bastidor'. Um perfil que, aliado ao bom trânsito não apenas entre parlamentares da Capital como também entre deputados estaduais - devido a longa trajetória na Assembleia Legislativa -, pode torná-lo uma liderança relevante na costura de unidade partidária, principalmente em um momento de turbulência.
Desde a chegada ao Executivo da Capital, no entanto, Sarto tem tido mais desafios para essa atuação de bastidores, enfrentando resistências inclusive entre aliados. Além disso, segundo especialistas, os reflexos da avaliação da gestão de Sarto à frente da Prefeitura de Fortaleza ainda são uma incógnita sobre os impactos que podem causar para o candidato ou candidata governista.
O Diário do Nordeste buscou analistas políticos, dirigentes partidários e aliados do prefeito de Fortaleza para entender qual papel ele deve desempenhar na movimentação política do Ceará. A reportagem faz parte da série Influências Políticas, que mostra como diferentes lideranças atuam na estratégia eleitoral do Estado em 2022.
Três décadas na vida pública
A carreira política do atual prefeito de Fortaleza soma mais de três décadas - com a maioria dos anos tendo sido passados no Legislativo. Ele foi eleito pela primeira vez em 1988 para a Câmara Municipal de Fortaleza. No mandato seguinte, quando foi reeleito vereador da Capital, foi escolhido para presidir a Casa.
A carreira política de Sarto teve como principal local de atuação, no entanto, a Assembleia Legislativa do Ceará. Foram sete mandatos como deputado estadual - no último deles, foi escolhido presidente da Casa. Antes disso foram diversos cargos ocupados, entre eles o de líder do Governo Cid Gomes e vice-líder do Governo Camilo Santana.
A proximidade com os irmãos Ferreira Gomes não é recente. Ele seguiu Cid e Ciro por diversos partidos pelos quais os atuais líderes do PDT no Ceará passaram - dentre eles PPS, PSB, Pros e, atualmente, o PDT.
O comando do Executivo, por outro lado, é novidade. Em 2020, foi a primeira vez em que Sarto foi candidato a um cargo do tipo, quando disputou - e venceu - a corrida pela Prefeitura de Fortaleza. Uma das principais cidades comandadas pelo PDT no país, a própria cadeira que ocupa oferece peso na negociação eleitoral.
“O prefeito José Sarto é o prefeito de Fortaleza, maior capital que o PDT administra, então ele certamente será ouvido pela importância que tem Fortaleza no cenário político estadual. Aliás, ele está sendo ouvido”, ressalta o deputado federal e presidente estadual do PDT, André Figueiredo.
A cientista política Carla Michele Quaresma aponta que o grupo governista precisa "garantir a maior quantidade de apoiadores" para o nome que for escolhido como candidato ao Palácio da Abolição, um processo que faz com que Sarto "seja incorporado nessa articulação".
"É claro que o prefeito de Fortaleza, pela posição que ocupa e por ser um quadro político relevante para o grupo capitaneado pelos irmãos Ferreira Gomes, vai participar ativamente do pleito".
Contudo, assim como a posição é importante, eventuais desgastes na gestão também podem impactar diretamente na campanha do candidato governista - assim como no modo em que Sarto pode ser inserido nas propagandas e atos eleitorais.
Importância da avaliação da gestão
Presidente da Câmara Municipal de Fortaleza e aliado antigo de Sarto, Antônio Henrique (PDT) aponta que o prefeito já "vem fazendo" o seu papel ao exercer "uma boa administração", na avaliação do vereador. "Quando a pessoa faz uma boa administração, com certeza tem grandes influência para ajudar o candidato do partido a avançar", ressalta.
Cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia, Cleyton Monte faz análise semelhante. "Costumo avaliar o poder de mobilização do prefeito conforme sua avaliação junto a população. Quanto mais o prefeito tem uma gestão bem avaliada, maior o poder de fogo dele", ressalta. Contudo, ele discorda quanto a como vem sendo visto o Governo Sarto na Prefeitura.
Apesar de apontar que é uma figura "que deve ter relevância" nas articulações eleitorais, o pesquisador pondera que o prefeito vive agora "um momento difícil", com uma aprovação "baixíssima".
"Chegando o período eleitoral, a força dele e o potencial de voto está atrelado à capacidade de gestão, que nesse momento é difícil. (Então) Não é uma figura ainda de rejeição, mas é uma liderança que não agrega. Na época em que o Roberto Cláudio fazia campanha com o Camilo, ele (RC) era uma figura central e que agregava".
Carla Michele aponta que, em parte, o desgaste reflete o tempo do grupo político no poder - que já soma uma década, somadas às gestões de Roberto Cláudio e José Sarto. Ela ressalta, contudo, que existe uma avaliação “temerosa” quanto à gestão municipal na Capital.
"Ele vai participar ativamente do pleito, mas talvez isso ocorra mais nos bastidores, porque há uma avaliação, nesse momento, temerosa em relação à condução do município, um desgaste que obviamente é alimentado pelo tempo de permanência desse grupo no Poder. Então, talvez ele não seja nesse momento o principal cabo eleitoral de quem quer que seja o escolhido (candidato), talvez não seja esse cabo eleitoral importante", ressalta.
Um político de 'bastidor'
A atuação nos bastidores não é novidade na carreira política de José Sarto. O próprio perfil do político, com décadas no Legislativo, podem facilitar esse trânsito. Cleyton Monte aponta, por exemplo, que a saída ainda recente na Assembleia Legislativa pode ajudar, já que Sarto "conhece toda a base aliada e pode tentar dialogar um caminho de consenso".
A bancada na Câmara Municipal também é um ponto de influência do prefeito. "Ele se mobiliza por meio dos vereadores. Ele manifestou apoio ao (Roberto Cláudio) e se manifesta a partir da base aliada do prefeito na Câmara. Isso tem muito da presença do Sarto", argumenta.
A defesa incisiva que parlamentares municipais têm feito ao nome do ex-prefeito reflete muito do posicionamento de Sarto, completa Monte. Para o cientista político, apesar de existir uma "memória" da gestão Roberto Cláudio, se, por exemplo, o Sarto não fosse pró Roberto Cláudio, esse apoio seria mais "discreto".
Ao falar do atual prefeito, André Figueiredo também destacou a experiência no Legislativo como importante dentro da discussão eleitoral.
."Ele está participando diretamente do processo de discussão, pela experiência que ele teve como vereador, como presidente da Câmara Municipal, como deputado estadual, como presidente da Assembleia e agora como prefeito de Fortaleza. É uma pessoa extremamente experiente que, sem dúvida alguma, será muito importante na definição de quem será a pessoa que vai nos representar nas eleições de 2022"
A articulação pode ser sim "uma das principais atribuições do prefeito Sarto" nas discussões eleitorais, aponta Carla Michele, contudo mesmo essa capacidade de negociação pode ser "complicada". "O Sarto também conta com uma rejeição muito grande de lideranças que o apoiaram em momentos passados, na sua trajetória enquanto deputado estadual e que estão extremamente frustradas", afirma a cientista política.
Para ela, o "grande entendimento" que Sarto possui das relações no campo da política contrasta com esse “desgaste junto a grandes lideranças políticas do Estado”.
Estopim para o acirramento na aliança
Com a sucessão estadual cercada de desgastes na aliança governista, a expectativa é de que, no mais tardar, na primeira quinzena de julho esteja escolhido o pré-candidato do PDT que irá liderar a chapa. Um adiantamento em relação a outros momentos de escolha - inclusive da própria candidatura de Sarto à Prefeitura - em que a decisão era deixada para mais próximo do prazo final estabelecido pelo calendário eleitoral.
Apesar de ressaltar essa 'tradição' do grupo governista, Sarto disse, no último dia 22 de junho, que "sempre foi da tese que era melhor antecipar um pouquinho" a decisão sobre a candidatura. O prefeito de Fortaleza foi a primeira liderança de peso a se manifestar quanto à disputa interna do PDT, inclusive. Ainda em março, ele demonstrou apoio ao antecessor, Roberto Cláudio.
"Compreendo que, pelo contexto atual, pelo que representa hoje a política, que deve combater o ódio, deve ter muita tranquilidade. O nome que hoje representa, encerra e traduz, a meu juízo, o melhor nome do PDT, que tem juventude, experiência, conhece o Ceará, é o Roberto Cláudio", disse à época.
Em resposta, outras lideranças importantes minimizaram a declaração. O ex-governador Camilo Santana (PT) afirmou se tratar de uma "opinião pessoal do Sarto" e que o "nome de consenso será anunciado no momento correto". O senador Cid Gomes (PDT) disse ver com "naturalidade", mas que o nome seria escolhido a partir "da avaliação política do cenário e de possibilidade de aliança".
A ampla aliança citada por Cid tem sofrido com os desgastes diante da indefinição - e da sequência de apoios públicos a lideranças iniciada por Sarto. Desde então, o prefeito já reafirmou diversas vezes esse apoio, mas também deu sinalizações a respeito da unidade do partido e de minimizar os atritos. Uma delas, foi em reunião com o ex-governador Camilo Santana, no começo de junho.
Com a campanha eleitoral cada vez mais próxima, Carla Michele aponta que - apesar de ter sido a liderança que primeiro fez manifestações públicas sobre o tema - a participação de Sarto deve ser pequena, inclusive pela “falta de capital simbólico” dele como liderança de um grupo político.
Sarto tem enfrentado ainda constantes ataques de vereadores da oposição, principalmente ligados ao pré-candidato ao Governo Capitão Wagner (União Brasil), o que pode se reverter também em estratégia eleitoral do adversário do prefeito na disputa de 2020.
Entre opositores, é articulada estratégia em que o gestor pedetista pode ser usado, inclusive, como "exemplo" dos "riscos do continuísmo" - que foi um dos principais argumentos usados durante a campanha eleitoral em 2020.
A decisão sobre quem será o candidato do PDT na disputa será fundamental para se avaliar qual será o papel de Sarto.