Como a organização interna do PT deve influenciar na definição de candidatura em Fortaleza em 2024

O partido se organiza por meio de correntes, que têm impacto direto nas decisões no campo eleitoral

O Partido dos Trabalhadores, embalado por vitórias importantes nas eleições de 2022, deve chegar como um dos protagonistas para a disputa eleitoral pela Prefeitura de Fortaleza em 2024. 

E, se a decisão sobre a candidatura deve passar por lideranças de relevância nacional, como o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), e também estaduais, como o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), outro fator também deve ter influência no caminho a ser definido: a correlação de forças dentro da estrutura partidária da sigla. 

Desde a composição do diretório até a escolha de candidatos, as definições do PT passam pelas correntes partidárias, grupos com identidade própria que compõem o partido e disputam internamente os caminhos adotados pela sigla. E isso tem impacto, é claro, nas definições eleitorais. 

Um caso emblemático ocorreu há quase duas décadas, em 2004, quando a agora deputada federal Luizianne Lins (PT) disputou, pela primeira vez, a Prefeitura da Capital. Na ocasião, duas alas do PT antagonizaram diante da decisão de quem apoiar para a disputa pela Prefeitura de Fortaleza

Por apenas três votos, venceu a tese da ala mais à esquerda - liderada pela Democracia Socialista (DS), corrente de Luizianne Lins - que queria candidatura própria do partido. Do outro lado, a ala mais moderada - liderada pela corrente Campo Democrático (hoje também chamada de Construindo Um Novo Brasil, ou CNB), do Líder do Governo Lula na Câmara dos Deputados, José Guimarães - defendia o apoio a Inácio Arruda (PCdoB).

Esta ala contava, inclusive, com o apoio do diretório nacional. Na época, o partido ficou dividido e parte do PT acabou apoiando, ainda que informalmente, Arruda. Contudo, Luizianne foi para o 2º turno e venceu a disputa contra Moroni Torgan.   

Eleição em Fortaleza

Fora do comando da Prefeitura de Fortaleza desde 2012, quando Luizianne Lins encerrou o segundo mandato como prefeita da Capital, o PT deve ter, em 2024, candidatura própria novamente - algo garantido, em diferentes ocasiões, por lideranças petistas. 

A própria Luizianne é uma das cotadas para a candidatura, além de outros quadros históricos dentro do PT, como os deputados estaduais Larissa Gaspar (PT) e Guilherme Sampaio (PT). Entretanto, nomes de fora do partido também são cogitados. 

É o caso do presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão (PDT). Em maio, manifestações públicas de deputados petistas defendiam o nome de Evandro como candidato à Prefeitura e chegaram, como foi o caso do líder do PT na Casa, De Assis Diniz (PT), a convidar o pedetista para se filiar ao PT. Evandro afirmou, na época, estar "honrado", mas disse que a discussão deveria ser feita "mais na frente"

Professor da Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Raulino Pessoa ressalta o caráter "purista" do PT ao indicar uma candidatura majoritária, a partir de uma posição "de não investir em candidatos que não são criados, educados e politizados dentro da agremiação".

Por conta disso, complementa a socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Paula Vieira, a indicação de Evandro como candidato do PT - conforme defendido por alguns parlamentares - "é muito difícil", mesmo que o presidente da Assembleia seja aliado de primeira ordem de Camilo e Elmano, por exemplo.

Apesar de ser a principal liderança do PT no Ceará, Camilo Santana não teria "legitimidade interna" para apenas indicar o candidato sem que este passe pela discussão e, se for o caso, disputa interna. "O candidato é votado internamente, é aprovado internamente. (...) Se houver nomes em disputa, há um convencimento interno, uma campanha interna", argumenta a socióloga. 

"Quem vai decidir são os militantes. As lideranças orientam os votos, as correntes orientam os votos", completa ela. Raulino Pessoa acrescenta: "então, a tendência que se articula com o maior número de militantes, consegue, no caso, a indicação do candidato".

As correntes partidárias no PT

Ao longo das mais de 40 décadas desde a fundação do PT, a existência dessas correntes dentro do partido passaram a ser parte "inerente da dinâmica interna" da legenda, ressalta o presidente do PT Fortaleza, o deputado estadual Guilherme Sampaio. 

Neste período, houve um processo de regulamentação "da existência delas, das formas de funcionamento, dos princípios e diretrizes" destes grupos, acrescenta o presidente do PT Ceará, Antônio Conin. Existem correntes que são criadas a nível local - seja estadual seja municipal -, mas "via de regra" as maiores correntes são também nacionais, completa Conin. 

Raulino Pessoa cita exatamente essa "centralização nacional" na forma como as correntes coexistem dentro do partido atualmente, em que as principais tendências nos diretórios estaduais acabam tendo os seus equivalentes a nível nacional. 

Duas dessas correntes são exatamente as citadas anteriormente, a DS e o Campo Democrático. Enquanto a primeira é liderada por Luizianne Lins, a segunda reúne petistas como José Guimarães, Camilo Santana, o vice-presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Santana (PT) e o próprio Antônio Conin. 

Algumas das outras correntes do PT Ceará são: 

  • Movimento PT (MPT), com o deputado federal José Airton
  • Resistência Socialista, do deputado Guilherme Sampaio
  • Militância Socialista (MS), com o ex-deputado Acrísio Sena
  • Militância Petista (MP), do ex-prefeito de Quixadá, Ilário Marques
  • Esquerda Popular Socialista, do ex-vice-governador Professor Pinheiro
  • Articulação de Esquerda, do ex-senador José Pimentel

A informações sobre as correntes e sobre as lideranças que as integram foram citadas por Antônio Conin e Guilherme Sampaio. Apesar de existirem mais grupos dentro do partido, esses são alguns dos quais integram o diretório do Ceará ou o de Fortaleza, com diferentes proporcionalidades em cada um dos diretórios. 

Componente histórico

A construção das correntes dentro do Partido dos Trabalhadores possui um componente histórico - algo que perpassa todas as instâncias da sigla. Presidente do PT Ceará, Antônio Conin relembra a fundação do partido e a forma como a sigla foi formada. "Quando o PT foi criado, foi a partir da união de vários segmentos da esquerda, no momento pós-ditadura, de redemocratização", explica. 

Naquele momento, em 1980, a sigla reuniu movimentos sindicais, movimentos eclesiais de base da Igreja Católica, militantes que vinham da luta armada, quadros de partidos políticos que tinham sido colocados na clandestinidade, figuras vindas da universidade, dentre outros, cita o dirigente partidário. 

"E, com essa pluralidade, tivemos que achar uma forma de conviver juntos, no mesmo espaço, permitindo que cada um pudesse expressar suas concepções de mundo, com linhas estratégicas em que todos convergem, mas criando formas de convivência interna, construindo uma cultura de amplo debate sobre tudo".
Antônio Conin
Presidente do PT Ceará

Presidente do PT Fortaleza, Guilherme Sampaio acrescenta que, além dessa união de forças políticas para a fundação do partido, existe uma "larga tradição da esquerda" em estruturar "o funcionamento interno a partir da organização de correntes políticas ou tendências", sendo uma forma de "garantir o pensamento democrático" dentro do sistema partidário. 

Apesar do impacto sobre a disputa eleitoral, Sampaio ressalta que a composição do partido por correntes tem como principal foco "favorecer a ampliação do debate político entre os filiados". 

“Muita gente olha para isso somente pelo lado da disputa por espaço de poder e deixa de enxergar um aspecto que eu considero fundamental, talvez seja o aspecto mais rico, que é a possibilidade que a organização corrente fornece de favorecer a ampliação do debate político entre os filiados. À medida que há vários grupos discutindo suas posições, refletindo sobre a conjuntura, formulando ideias, elaborando cenários, isso confere muita vida ao partido e qualifica muito a formação de quadros”.
Guilherme Sampaio
Presidente do PT Fortaleza e deputado estadual

Votação direta e composição proporcional

A composição tanto do diretório como da Executiva do PT passa pelo Processo de Eleição Direta (PED). Nele, os filiados ao partido podem votar diretamente em quem irá compor o diretório e também há votação direta para a presidência. 

Durante o PED, cada corrente pode concorrer de forma isolada ou se aliar a outras correntes. Com o resultado, a composição do diretório - e consequentemente da Executiva - irá obedecer o percentual de votos recebidos por aquela chapa.

No caso do PT Ceará, por exemplo, o Campo Democrático possui a maioria - tendo indicado 47 dos 72 membros do diretório, após conquistar 67,4% dos votos. A DS - em chapa com a Ação Popular - tem o segundo maior número de membros no diretório, sendo 12 dos 72. 

Já no PT Fortaleza, o bloco formado pela correntes Articulação de Esquerda, O Trabalho e Resistência Socialista - esta última liderada por Sampaio - possui a maior representação. Na sequência, estão o bloco formado pela DS e a Articulação de Esquerda e, logo depois, o Campo Democrático. 

A Executiva dos diretórios obedece a mesma proporcionalidade, enquanto o presidente é escolhido em separado, por eleição direta, e pode, inclusive, ser uma candidatura apoiada por muitas correntes ou mesmo de consenso. 

Essa composição dos diretórios reflete uma disputa que é visível, inclusive, fora do partido, aponta Raulino Pessoa. "O Guimarães (a partir do Campo Democrático) tem grande poder na estrutura partidária estadual, de mobilizar arcabouços nos municípios, sobretudo no Interior. Luizianne tem força no PT Fortaleza, tanto que o presidente (Guilherme Sampaio), é vinculado a ela", descreve. 

Essa correlação de forças também chega à discussão eleitoral, claro. Caso o diretório opte por realizar Congresso para a definição do candidato majoritário, por exemplo, o número de delegados é dividido de acordo com a proporcionalidade obtida no PED - e já usado anteriormente para compor o diretório e a Executiva. São estes delegados que votam em quem será o candidato do partido. Este foi o processo que selou a candidatura de Elmano de Freitas ao Governo do Ceará, em 2022. 

Em caso de mais de um pré-candidato para a disputa majoritária, são realizadas as prévias internas, na qual todos os filiados ao partido podem votar em qual candidato querem que represente o PT na disputa - como ocorreu em 2004. 

Influência na decisão

Se as correntes partidárias devem influenciar diretamente nas decisões, as lideranças dessas tendências devem protagonizar a disputa interna. Uma delas é Luizianne Lins, que possui maioria de aliados no PT Fortaleza - responsável pela discussão e escolha do candidato para 2024. 

"A Luizianne tem uma inserção muito grande no PT de Fortaleza, dá para perceber isso pela votação que ela teve como deputada federal em Fortaleza. Ela tem uma inserção muito grande nas periferias, nos bairros populares. E, às vezes, por essa atuação da tendência (nas bases eleitorais), ela consegue mais votos para que a sua tese seja aprovada", reforça Raulino Pessoa.

Isso explica também a frequência com a qual a deputada insiste em candidatura própria na capital cearense. 

"A postura (de Luizianne), por mais que tenha sido de apoio ao PT nacional, no (PT) local ela continua disputando hegemonia no PT. Por isso que ela insiste tanto na disputa. (...) Qual a explicação dela? 'Eu vou continuar disputando internamente, eu vou fazer parte dessa disputa, porque é uma visão da corrente'".
Paula Vieira
Socióloga e pesquisadora do Lepem/UFC

Contudo, algo irá diferenciar a eleição de 2024 de pleitos anteriores - como o de 2004 ou mesmo a de 2012, quando Luizianne conseguiu emplacar o nome de Elmano de Freitas como candidato à sucessão na Capital cearense, ou na de 2016, quando ela foi novamente candidata contra Roberto Cláudio (PDT), na época em que existia forte aliança entre PT e PDT a nível estadual. 

Além do protagonismo conquistado por Camilo Santana, existia anteriormente "um desgaste na imagem do PT". "Assim teria menos concorrência (interna), porque o partido estava, nesse período, com a imagem desgastada", explica Raulino.

É importante considerar o peso das articulações eleitorais para 2024 como antecipação das negociações para 2026, completa o pesquisador. 

"A eleição municipal de Fortaleza é um ensaio para as eleições estaduais. Então, muitas vezes, o candidato que sair e os apoios que são feitos na eleição municipal em Fortaleza já estão articulando as eleições estaduais. Então, por exemplo, pode ter caso em que o PT recua, não apresenta candidato próprio para Prefeitura de Fortaleza no acordo de que, naquela coalizão, naquela aliança, o PT, na próxima eleição geral, vai indicar o senador. Ou vai indicar ao governador do Estado. A disputa em Fortaleza não é independente, não é particular apenas à Fortaleza. É uma disputa que é estadual".
Raulino Pessoa
Professor da Universidade Estadual do Ceará