Na trilha do medo: as músicas dos filmes de terror

Inúmeros compositores atingiram a façanha de representar o mal absoluto através das notas musicais. Desde as primeiras experiências na sétima arte, o gênero horror segue prolífico na combinação entre imagens e sons assustadores

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(Atualizado às 09:58, em 01 de Novembro de 2018)
Legenda: Apresentação do Anvil FX, projeto integrado por Paulo Beto, no L'Etrange Festival em Paris
Foto: Apolônia Alexandrina

Causar desconforto, repugnância e anunciar a chegada de ameaças. No correr da história evolutiva do homem, o som tornou-se ferramenta de alerta. Do zumbido de uma abelha ao vento na copa das árvores, o medo ancestral permanece na forma como lidamos com determinados ruídos. Tal sentimento solidificou-se na arte e diferentes compositores dedicaram tempo e estudo em reproduzir sensações de pavor. Já na era moderna, o cinema flertou de maneira única com o tema. Firmou-se na indústria do entretenimento como fértil universo de experimentação e criação.

O horror possui trajetória íntima com as sonoridades sombrias. Filmes e a música forjaram uma aliança profana por décadas, antes mesmo de o som fazer parte da sétima arte. Trilhas sonoras de terror podem ser rastreadas até a era do cinema mudo. "Nosferatu - Uma Sinfonia do Horror" (1922), de F. W. Murnau (1888-1931) estreou com sonorização romântica orquestrada por Hans Erdmann (1882-1942). Embora nenhuma gravação original tenha sobrevivido, o espírito musical presente no macabro cotidiano do vampiro persistiu nas décadas seguintes.


Responsável pela trilha de "Morto não Fala" (2018), nova produção do cineasta Dennison Ramalho, o músico Paulo Beto detalha a paixão sobre o assunto. Quando criança, explica, enxergava perto de si um cotidiano de medo e apreensão. O mineiro sentia os reflexos de um mundo dividido pela Guerra Fria e um Brasil dilacerado nas mãos da Ditadura Militar (1964- 1985). Obras de ficção científica e horror fizeram a cabeça do futuro compositor.

"Minha fase de formação está muito ligada a estes filmes. Como colecionador e pela bagagem de ouvir aquelas trilhas, acabei alimentando esse lado criativo. Eu era músico e não cineasta, então me aprofundei nessa questão de entender as características do som, perceber, esmiuçar elementos para construir esse ambiente de medo", descreve.

Marco desse universo, Bernard Herrmann (1911-1975) construiu o imortal delírio sonoro de "Psicose" (1960). Os violinos cortantes, projetados para triturar os nervos, definiram um padrão que ecoou em inúmeras produções posteriores. O norte-americano também criou pérolas como os temas de "Círculo do Medo" (1962) e "O Dia em que a Terra Parou" (1951). Esse último, por sinal, foi peça de apreciação durante a fluida conversa com Beto. Ao falar da cria de Robert Wise (1914-2005), o mineiro citou o diálogo entre o maestro e diretor como exemplo de construção criativa. "Wise pediu que o som não fosse desse planeta, não queria ouvir melodia, mas algo que ninguém na Terra tivesse conhecimento. (Herrmann) usou cinco teremins para gerar algo sintético e sem identificação com a natureza. É um som que, por alguma razão muito ancestral, te traz medo", divide o realizador.

Encontros

Durante os anos 1970 e 1980, a sétima arte testemunhou a ascensão do sintetizador, realimentando a sensibilidade das audiências sobre a música de terror. O diretor e compositor John Carpenter fez muitos de seus filmes, incluindo "Halloween" (1978) e "Príncipe das Sombras" (1987), sob a estética do instrumento. Outro filme do diretor, "O Enigma do Outro Mundo" (1982), dessa vez com a batuta e sensibilidade do mestre Ennio Morricone, também investiu no recurso eletrônico.

Atualmente, reedições em vinil de trilhas clássicas de horror estão na mira dos fãs. Artistas originais estão organizando até turnês. Tanto Carpenter quanto o maestro de música de terror italiano Fabio Frizzi fizeram shows no Velho Mundo.

paulo beto
Paulo Beto pesquisou instrumentos analógicos para compor os temas de "Morto não Fala" (Apolônia Alexandrina)

À frente da banda Anvil FX, um de seus projetos mais duradouros no terreno da música, Paulo Beto concretizou uma experiência única no território das trilhas. No último mês de setembro, o grupo - também formado por Bibiana Graeff, Juliana R. E Apolônia Alexandrina - participou do L'Etrange Festival em Paris. Criado em 1993, o evento é referência na exibição de produções de horror. A missão era executar ao vivo uma trilha sonora única para "Encarnação do Demônio" (2008), último filme em que o universo macabro de Zé do Caixão foi iluminado.

Tratou-se, na verdade, de um reencontro. Cerca de 10 anos antes, Beto havia construído composições para o filme. Por sorte, boa parte desse material foi recuperado e executado. "Foi demais tocar a trilha nestas circunstâncias. É muito raro você pegar uma obra, desmembrá-la e fazer uma coisa nova, uma versão alternativa. Uma oportunidade singular. As pessoas piraram", descreve o músico.

Sobre a participação em "Morto não Fala", ele explica ter sido um projeto realizado em constante diálogo com Dennison Ramalho. O processo criativo durou mais de um ano e contou com experiências pontuais na busca de timbres e efeitos orgânicos. Nesse intervalo, Beto fazia e refazia trechos. Adaptava instrumentos e pesquisava sobre coisas novas na área. Usou rolo de fita, cordas, percussão e um grupo de amigos e feras da Terra da Garoa.

Assim, a ficção segue como espaço de sonho e esgarçamento do cotidiano. Obviamente, os perigos lá fora são bem maiores que dráculas ou fantasmas. Terror bom é terror nas salas de cinema.

Lançamento

Para o remake do clássico de horror de Dario Argento, Thom Yorke concebeu uma trilha atualizada, adicionando toques mais próximos de suas experiências anteriores ao Radiohead. "Suspiria" tenta reproduzir a atmosfera perturbadora da trilha original, composta pela banda Goblin. A versão 2018 mostra-se nostálgica, mas com antenas apontadas para sintetizadores futuristas.

 

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