Morei muitos e muitos anos longe de Fortaleza. Nunca deixei de agarrar a mínima chance de voltar no mês de dezembro para ver a cidade se vestir de luz para o Natal, festa que pra mim só faz sentido com a família - a de sangue ou a estendida, que construí nos hiatos fora do Ceará e do Brasil.
Dezembro é tempo de Fortaleza ventar, da gente ver prédios públicos, praças e shoppings decorados com muitas luzes e cores. É tempo de ir à Praça do Ferreira ouvir o coral do Natal de Luz, de se maravilhar com a árvore de redes exaltada pela iluminação multicolorida da Praça Portugal.
Também é tempo de esperar na janela a comitiva de caminhões daquele refrigerante famoso passar com suas músicas, árvores decoradas, luzes e buzinas. Chama as crianças! Corre pra ver! Neste ano, até caminhões dos shoppings, cheios de gente fantasiada de papai noel e de outros personagens nada natalinos, vieram nos lembrar da festa que se aproxima.
Nas franjas da cidade, outra magia acontece. Dezenas de mulheres organizam suas lapinhas não como adorno, mas como símbolo de Natal. São como cidades cenográficas do nascimento de Jesus, de vários tamanhos, que atraem vizinhos de todas as idades a cada ano. É uma tradição que algumas dessas mulheres - como dona Raimunda do Mucuripe - fazem por décadas. E os presépios, então?
Há muitos natais em Fortaleza, você há de concordar. Nas redes sociais, dezembro também é mês de ver a classe média cearense cruzar o país para chegar em Gramado, no Rio Grande do Sul, e posar com suas roupas de frio dignas do inverno mais rigoroso de Guaramiranga.
E o gosto do Natal? É minha parte preferida. O cardápio natalino é puro afeto. Tenho saudade do chester e do tender servidos por vovó com arroz cheio de uva passa. Mas a casa de vovó fechou, ela partiu deste mundo e a família numerosa se espalhou.
Então reinventamos o Natal na casa de uma tia, cujo pavê de chocolate não abrimos mão por um longo tempo. Até que abri minha própria casa, nova sede da ceia familiar. Compramos a árvore mais pomposa, colocamos uma estrelinha no topo para simbolizar nosso filho que também partiu. E meu marido, chef de cozinha, passou a comandar a ceia respeitando o gosto do nosso Natal e dando seu toque de amor.
O chester continua aqui, o nosso arroz ganhou castanhas e frutas amarelas. Inventamos uns cogumelos no molho oriental. Deixamos o chef paulista fazer um salpicão diferenciado e delicioso. Vocês acreditam que ele não leva maçã nem passas? Mas o gosto do nosso Natal persiste. E neste ano assumo a sobremesa, uma torta ridícula de tão fácil de fazer, mas quem liga? É delícia! Natal também é renovar, afinal de contas.
Acho que o sentido de tudo isso, de todas as luzes e gostos que Fortaleza oferece a cada dezembro, está em ter compaixão pelos que estão distantes de nossas ceias fartas e das viagens a Gramado. Dezembro também é mês de mais crianças e famílias pedindo socorro nos semáforos. De cartinhas de Natal pipocando nos Correios em busca de um brinquedo, um afago, às vezes de uma cesta básica ou até um boleto pago.
Dezembro também é tempo para mais solidariedade. Por isso sorrio cada vez que passo pelas avenidas e viadutos e vejo freiras e franciscanos compartilharem alimento e amor para quem não tem o básico. Ou quando vejo meu irmão todo ano organizar uma campanha de doação de alimentos. Ou quando vejo os seres políticos desta cidade cobrarem dos governantes que olhem para os mais frágeis.
Natal é tempo dos religiosos celebrarem a vida de Jesus Cristo. Também é tempo de todos - religiosos e ateus - avaliarem o ano e exercerem a solidariedade. Ainda dá tempo e é revigorante. Mais: é parte da luz do Natal. Experimente. Isso também é viver o Natal.