Redução do auxílio emergencial tem forte impacto para as famílias, diz João Mário França

Entrevistado desta semana do Diálogo Econômico, João Mário França, diretor-geral do Ipece, aponta caminhos para a recuperação e melhora do mercado de trabalho na economia cearense

A chegada da pandemia exigiu que governos se mobilizassem e tomassem medidas de apoio às famílias mais vulneráveis, como o auxílio emergencial, um dos principais programas na atenuação dos impactos econômicos da Covid-19. No entanto, a redução do benefício em 2021 tem gerado forte impacto no consumo dos mais vulneráveis.

A avaliação é do diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará (Ipece), João Mário França, segundo quem, os bons resultados recentes do PIB (Produto Interno Bruto), em âmbito nacional, escondem uma recuperação desigual entre as classes altas e os mais pobres, o que escancara a importância de um auxílio emergencial mais robusto.

Ele explica que, sem o benefício, que não foi pago no primeiro trimestre deste ano, a população foi obrigada a pressionar novamente o mercado de trabalho, voltando a compor o grupo considerado na taxa de desemprego e elevando os indicadores a patamar recorde.  

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 549 mil cearenses estavam em busca de uma recolocação entre janeiro e março, o equivalente a 15,1% da população com idade para trabalhar. O resultado é o maior da série iniciada em 2012. 

Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o cearense, entrevistado desta semana do Diálogo Econômico, avalia que a continuidade do investimento em educação é essencial para a mudança estrutural do mercado de trabalho local, sanando problemas históricos do Estado, como a informalidade e a pobreza. 

Ele ainda comenta indicadores, como a abertura de empresas e o próprio saldo de empregos formais, que geram otimismo para a retomada econômica cearense, lembrando, no entanto, que esse processo ainda é dependente do avanço da vacinação. 

Confira a entrevista completa:

Mesmo com a segunda onda, o PIB do Brasil no primeiro trimestre cresceu 1,2%, acima das projeções de mercado. A expectativa é que o Ceará tenha novamente um resultado melhor que a média nacional? 

Quando a gente faz as projeções, o Ipece projeta para o ano. Então, a nossa previsão para o ano de 2021, que foi divulgada em março, está em torno de 3,55% de crescimento esse ano. Na época que a gente divulgou essa previsão, nosso crescimento projetado estava acima da previsão do Brasil, que era algo em torno de 3,22%. 

Só que ao longo desses últimos meses, abril e maio, a economia brasileira teve uma recuperação mais acentuada, principalmente puxada pelo investimento e também pela questão das commodities que aqueceram as exportações. Agora, quando a gente for divulgar o PIB do primeiro trimestre desse ano, que deve ser na segunda quinzena de junho, a gente faz uma nova previsão de crescimento pra economia cearense no ano. 

Olhando para a última informação que a gente tem de março, a gente projetava um crescimento da economia cearense para o ano todo maior que a do Brasil. Agora, é claro que a cada trimestre os movimentos não necessariamente podem ser idênticos, porque muito tem a ver com a comparação com o trimestre imediatamente anterior.  

É bom lembrar que no quarto trimestre de 2020 o Ceará teve um crescimento maior do que o Brasil. Então, nesse caso, quando a gente compara o primeiro trimestre de 2021 com o quarto de 2020, como a base do Ceará é maior, pode ser que não necessariamente a gente tenha um nível de crescimento superior ao do Brasil nessa comparação. Por isso que eu gosto mais de projetar para o ano todo.

Ainda sobre PIB, há certa euforia em relação ao crescimento econômico do País em 2021. As estimativas para o fechamento do ano estão acima de 5%. Enquanto isso, indicadores como consumo das famílias e desemprego apresentam resultados frustrantes. Essa recuperação é puxada pela valorização das commodities e das exportações, ficando ainda distante da população? 

Falando a nível nacional, porque ainda não temos esse resultado do Ceará, realmente o resultado do primeiro trimestre de 2021, esse crescimento está sendo muito desigual. Porque você tem uma parte da população, a classe rica e a classe média, principalmente a classe média alta, que conseguiu fazer poupança no ano passado, porque não podia viajar, não podia frequentar bares, não podia frequentar restaurantes, enfim, por uma série de consumos que foram adiados, então, ocorreu um aumento de poupança nesse segmento. 

Agora, uma parte desse consumo que começa a ter algum grau de recuperação está muito ligado a esse tipo de público. Por outro lado, o consumo dos mais vulneráveis foi muito afetado, principalmente porque no primeiro trimestre não teve auxílio emergencial. O auxílio emergencial cessou em dezembro e só retornou em abril. Então, houve uma distribuição de consumo muito desigual. 

mercado de trabalho também está com uma recuperação muito lenta e, inclusive, a gente não sabe exatamente como ele vai ficar, porque alguns postos de trabalho desapareceram definitivamente, outros vão surgindo, mas vão surgir para um público com maior escolaridade, principalmente esses trabalhos remotos. Esse tipo de trabalho vai crescer muito a partir do segundo semestre, mesmo após a fim da pandemia, e ele pega o público muito mais qualificado, muito mais escolarizado. 

Então, as pessoas que têm baixa escolaridade e perderam seus postos de trabalho, seja no setor formal ou no informal, vão ter uma certa dificuldade em recuperar esse trabalho, principalmente se essa pandemia persistir ainda ao longo desse terceiro trimestre, entrar pelo segundo semestre, sem a vacinação atingir um número suficiente da população. 

Então a alta do PIB realmente foi puxada pelas commodities e exportações?

Exatamente, foi puxada pelos investimentos, houve o aumento dos investimentos e também uma elevação da demanda por commodities no Brasil, principalmente commodities de alimentos como também da parte de minerais. Então, isso puxou o crescimento do Brasil nesse primeiro trimestre: exportações de commodities e investimento.

O consumo está em um valor pequeno ainda e o que está se recuperando de consumo é das classes alta e média que conseguiram ter uma poupança em 2020, porque os mais vulneráveis estão com muita dificuldade de expandir o seu consumo dada essa queda da renda por desemprego e também por não estarem com o auxílio emergencial. 

A volta do auxílio emergencial em um valor menor e com regras mais rígidas deve retardar ainda mais a recuperação do consumo? 

Com certeza, principalmente, em regiões como Norte e Nordeste, que foram muito mais beneficiadas com o auxílio emergencial no ano passado, porque proporcionalmente possuem uma quantidade de famílias mais vulneráveis. Então, a diferença de magnitude do valor do auxílio emergencial do ano passado para o desse ano e também o prazo de duração certamente vai ter um impacto grande em termos de consumo dessas famílias, o nível de demanda que foi sustentado no ano passado provavelmente não vai ser o mesmo.  

E o pior: esse valor baixo não conseguiu fazer com que as pessoas ficassem em suas residências, que não tivessem sido expostas à circulação viral. No ano passado, com o valor de R$ 600 ou de até R$ 1,2 mil por família, ele fez com que as pessoas pudessem se resguardar um pouco mais e evitar a contaminação.  

Agora não, com esse com esse valor bem mais baixo, em média R$ 250 por família, isso significa que muitas pessoas não estão conseguindo ficar em casa, tem que tentar auferir renda e se expor cada vez mais à contaminação.  

A diminuição do auxílio emergencial do ano passado pra esse teve esses dois impactos negativos: primeiro na própria economia, porque a demanda é menor, o consumo é menor, porque o nível de auxílio é menor e o tempo também de duração, e além do mais, a exposição que as pessoas tiveram ao vírus, porque não puderam ficar nas suas residências.
 

Durante o lockdown este ano percebemos que o Estado adotou uma estratégia diferente da do ano passado deixando a indústria de fora das restrições. Como isto ajudou a evitar impactos maiores na economia local? 

No ano passado, quando o governador formou esse comitê para discutir o processo de reabertura das atividades econômicas não essenciais, no primeiro momento, foi fechada a indústria e a construção civil. Vou citar esses dois casos, porque eu acho que tem muito mais a ver com aprendizagem do processo.  

Nós estávamos iniciando uma situação que o mundo todo desconhecia, então houve um fechamento, digamos assim, muito mais rígido na economia no ano de 2020. Quando a indústria voltou a funcionar, quando a própria construção civil voltou a funcional, foram observados níveis de contaminação muito baixos nos setores. 

Então, não havia necessidade, mesmo quando houve um surto muito forte a partir de fevereiro e março, de fechar a indústria nem de fechar o setor de construção. 

Eu acho que isso tem muito mais a ver com o processo de aprendizagem de um ano pro outro do que qualquer outra questão. E claro que isso contribui pra economia, porque você não fechar a indústria, não fechar a parte de construção civil, que emprega muita gente, isso teve um aspecto positivo que vai refletir certamente no final do ano nos ganhos econômicos do Estado, até mesmo quando a gente for fazer a contabilidade do PIB. 

Eu faço parte também desse comitê, desse grupo de trabalho técnico de retomada das atividades econômicas, então tem um processo técnico que a gente utiliza, conhecimento, olhando os dados, mas tem um processo também de um ano para o outro de aprendizagem. Isso aí fez com que todo processo este ano já fosse construído melhor do que o que foi no ano passado. 

Quais outras medidas e estímulos estão sendo planejadas e/ou já colocadas em prática para recuperar o PIB cearense?

Eu vou falar desde o ano passado, principalmente, e agora em 2021 continua. Eu acho que o Governo do Estado, na presença principalmente do governador, teve dois focos muito importantes para mitigar os impactos da pandemia.  

Um é o olhar muito forte para a questão social. Então, além desse apoio federal do auxílio emergencial, o Governo do Estado também se preocupou com medidas de caráter social. Teve uma série de ações, como pagamento de energia para as famílias de baixa renda, pagamento de taxa de água e esgoto, teve a distribuição do vale gás, teve ampliação do cartão Mais Infância.  

Acho que isso aqui é muito importante, porque foi no momento em que mais essas famílias precisavam, então, foi um complemento de renda importante ao Bolsa Família o cartão Mais Infância, que já tem mais de 100 mil famílias beneficiadas, além do auxílio cesta básica. Então assim, tem uma série de medidas na área social importante.  

E olhando pra economia também, para os trabalhadores de setores mais prejudicados, como o setor de eventos, a parte de turismo, setores ligados a alimentação fora do lar, bares, restaurantes, tudo isso também o Governo fez um auxílio para esses trabalhadores dessas áreas.  

E também para os empresários, com postergação do pagamento de impostos, enfim. Junto com a pandemia, a gente sabia que ia ter esse impacto econômico nas empresas e também na vida das pessoas.  

Eu acho que o Estado agiu no que pode, dentro da sua capacidade fiscal também, não saindo dos seus limites fiscais. Houve esse olhar social, mitigando os efeitos da pandemia nas famílias mais vulneráveis, com todas essas ações que eu citei.  

Mas também houve uma ação, um olhar para o empresário, principalmente, na questão de postergação de impostos, tributos, concessão de crédito, enfim, uma série de ações que puderam mitigar, porque realmente resolver o problema da pandemia você não consegue. 

Pelo menos mitigar os efeitos até que a economia comece a voltar com a normalidade maior. E aí só vai ocorrer mesmo com a vacinação ampla da população. 

Qual deve ser o peso da vacinação contra Covid-19 na convalescença da economia do Estado?

Eu acho que essa é a medida mais importante que o Governo Federal deveria ter feito um planejamento melhor: a questão das vacinas, a compra antecipada dessas vacinas. A gente está vendo o que está ocorrendo com países que estão com um processo de vacinação bem mais rápido, com uma parcela maior da população imunizada, como Estados Unidos, Israel, Inglaterra, Alemanha, aqui mesmo na América Latina, o Chile, então, com certeza essas economias já estão voltando à normalidade, o ritmo da economia já está funcionando em uma intensidade bem maior.  

No Brasil, a gente ainda está muito lento nesse processo de vacinação. Pouco mais de 10% da população brasileira tomou as duas doses da vacina. Então é um contingenciamento que continua.  

Tudo que a gente fala de previsão, de recuperação da economia no segundo semestre, claro que fica muito condicionado a essa aceleração da vacinação para chegar nesses níveis de 70% a 75% da população.
  

Ao mesmo tempo, a gente fica com receio da chegada de uma terceira onda, porque se chegar uma nova onda na mesma intensidade como chegou no início do ano aqui no Brasil, a gente vai ter novamente processos de recuo da atividade econômica. Com isso, você tem impactos no PIB, tem impactos na geração de renda, na geração de emprego. 

E a gente poderia ter evitado isso se a vacinação tivesse sido melhor planejada e a gente estivesse com uma parcela bem maior da população brasileira já com as duas vacinas tomadas. 

Esta semana, a Secretaria da Saúde divulgou a estimativa que todos os cearenses com mais de 18 anos devem receber a primeira dose da vacina até o final de agosto. Essa previsão gera um ânimo a mais para a retomada?

Com certeza, essa informação é muito positiva. Claro que essa informação fica condicionada à entrega de vacinas pelo Governo Federal. Então, a Secretaria de Saúde deve ter feito essa projeção com base nas informações que ela tem do Ministério da Saúde sobre a entrega de vacinas. E a gente está vendo que às vezes essa informação muda. O que o Ministério da Saúde tinha previsto, ele depois acaba reduzindo.  

Mas se tudo correr bem e realmente até agosto ou pelo menos meados de setembro, toda a população adulta do Estado do Ceará já estiver vacinada com a primeira dose, isso já é um alento muito grande, isso já dá uma sinalização de uma recuperação mais forte no segundo semestre.

Mas essa quase normalidade, eu acredito que só chegar quando todos os adultos tiverem tomado as duas doses da vacina e tiverem, além disso, mais o tempo necessário de duas semanas de imunização. Quando todo esse processo, todo esse ciclo ficar completo, aí sim você vai estar com uma economia funcionando quase que na normalidade.  

Enquanto isso, você ainda vai ter algumas restrições. Quem tomou só uma dose, tem que permanecer com os cuidados necessários e isso, para alguns setores da economia, continua travando muito, principalmente a parte de eventos, a parte de turismo. Então, a recuperação talvez só em 2022, de uma maneira mais concreta. 

O comércio ainda é o setor que está se recuperando de forma mais rápida por conta da demanda reprimida?

O comércio consegue ter uma recuperação mais rápida, porque você tem um consumo ainda que consegue se manter e agora, a partir de abril, com a volta do auxílio emergencial mesmo com o valor menor, isso consegue manter um consumo mínimo das famílias mais vulneráveis e dá para ir mantendo o setor em um bom ritmo de crescimento.  

Agora, como é um setor que, de certa forma, tem os riscos da aglomeração, ele fica muito dependente do processo de abertura. Por exemplo, agora o Estado do Ceará completou praticamente um ciclo de abertura do comércio, tanto o comércio de rua como o comércio de shopping, eles já estão funcionando quase que em horário normal. 

Mas eles ficam muito condicionados a esse processo todo. Em qualquer início de novo surto, uma nova onda, acaba voltando a ter restrições de funcionamento desse tipo de atividade que por si só, não é por causa do empresário, não é por causa dos protocolos, mas por si só ela tem uma natureza aglomerativa.  

Mas, de fato, o que está acontecendo aqui é uma recuperação mais rápida desse setor, até pela existência de uma demanda reprimida, quando o setor abre, as pessoas retomam as compras. 

Você mencionou esse risco sanitário. Os setores de serviços e turismo talvez sejam os mais prejudicados por conta desse fator. Quais as perspectivas de retomada para eles?

Essas atividades, o setor de serviço, essa parte de restaurantes, de bares, a parte de salão de beleza, a parte de turismo, de viagens, ficam muito condicionados, realmente, à recuperação da economia no sentido de uma volta a uma anormalidade. Eu não gosto nem de falar de normalidade, porque agora a gente não sabe como vai ficar o mundo pós-pandemia. O que a gente tinha como normalidade antes pode não ser a normalidade do futuro.  

Mas esses setores, eu acho que só vão ter recuperação plena mesmo quando a população estiver vacinada naquele nível que se considera imunidade de rebanho.

Não é à toa que, quando eu estava citando as medidas do governador para mitigar os efeitos da pandemia, eu citei o auxílio que ele criou para os trabalhadores da área de cultura, da área de eventos, da área de bares, restaurantes, alimentação fora do lar. Todos esses trabalhadores tiveram a oportunidade de entrar em um edital de seleção para receber um auxílio no valor de R$ 500 por dois meses. 

São setores claramente muito atingidos e, como a recuperação depende dessa volta à normalidade, então talvez projetar crescimento nesse setor só para o final do segundo semestre e talvez mais acentuada mesmo só em 2022. 

O Ceará vinha com uma trajetória de saldo positivo de empregos desde agosto do ano passado que foi interrompida em março, mas voltou a ficar no azul em abril. Essa interrupção causa preocupação? É possível que tenhamos um cenário ainda mais desafiador no mercado de trabalho? 

Essa pausa que ocorreu, essa interrupção de saltos positivos, já era mais ou menos prevista, porque foi exatamente no momento de maior restrição no funcionamento das atividades econômicas não essenciais. Então, era natural que, nesse processo, houvesse uma diminuição dos empregos formais.  

O que o Estado tem que ter mais atenção, na questão do mercado de trabalho, é que o Ceará ainda tem um mercado informal muito grande. Quando a gente compara os trabalhadores que estão no setor formal e no setor informal, o setor informal predomina.  

E é um setor mais precarizado, que paga menos, que não dá direitos trabalhistas. Por isso, ele também absorve trabalhadores com baixa qualificação. Isso, na média, torna a produtividade da economia cearense muito baixa.  

Para pensar como você pode reduzir a informalidade da economia, tem muito a ver com a questão de qualificação do trabalhador, torná-lo mais produtivo para que ele possa disputar emprego no setor formal. Então, tem essa questão da informalidade que ainda é muito forte na economia cearense e isso tem que ter uma atenção maior.
  

Agora, com relação ao setor formal, que é o que o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) divulga, a gente imagina que, a medida que a economia for cada vez mais acelerando a sua recuperação, esse saldo vai continuar permanecendo positivo. 

No final do ano, quando se faz essa comparação entre empregos gerados e empregos perdidos, certamente vamos conseguir ter um saldo positivo, como foi em 2020 mesmo na pandemia. 

O que fez o Estado recuperar de forma tão rápida os postos de trabalho perdidos durante o início da pandemia?

Eu acho que tem que ter a ver com dois aspectos e esses detalhes fizeram diferença no Ceará em relação a outros estados, principalmente aqui do Nordeste. Primeiro, eu acho que um bom planejamento da retomada das atividades econômicas. Muitos estados do Brasil ficaram naquela coisa de abre, fecha, não sabe exatamente a hora de fechar corretamente, demoravam a fechar a economia, na hora abrir, abriam antecipadamente.  

O estado do Ceará fez o seu dever de casa corretamente. O momento de fechar no ano passado, naquele período crítico de março, abril, foi um momento necessário de fechamento. Foi feito com fechamento rígido para diminuir a circulação viral e aí, quando os indicadores sanitários de um fato se mostraram melhores, foi feito um planejamento muito científico, com muito cuidado, com muita técnica, utilizando a melhor técnica possível, para fazer a retomada das atividades econômicas.  

Então, é só lembrar que em junho a gente iniciou a retomada das atividades econômicas. Em junho ainda foi um período lento, de experimentação, com muito cuidado para acompanhar os indicadores sanitários, e a partir de julho essa retomada iniciou-se em um ritmo mais acelerado. Até março deste ano, não houve nenhum tipo de retrocesso, a economia foi sempre avançando nas suas fases.  

Isso fez com que a economia fosse ganhando tração, ganhando ritmo. E por isso essa rápida recuperação em termos de empregos. 

Outro aspecto que eu gosto sempre de citar junto com esse bom planejamento da retomada das atividades econômicas é a capacidade fiscal do Estado. O fato de o Ceará ser um estado com sustentabilidade nas suas contas pública, sem nenhum problema de déficit como a gente vê que ocorre em outros estados, fez com que o estado também tivesse capacidade de realizar investimentos.  

Uma maneira também de você acelerar a recuperação da economia e gerar emprego, gerar renda, é através dos investimentos. O Estado fez bastante investimentos no ano de 2020. Não vou nem falar o principal que foi a questão da saúde. Bastante investimento na área de saúde, inclusive com construção de novas UTIs, de novos leitos, compra hospitais, e tudo isso gera emprego, gera renda.  

A gente também teve investimentos na área da educação, na área de infraestrutura, na área de logística. E só foi possível ser feito porque o Estado tem essa capacidade fiscal de contas bem organizadas. Então, esse binômio, bom planejamento da retomada das atividades econômicas não essenciais e a capacidade fiscal do Estado, fizeram com que a economia tivesse uma recuperação mais acentuada no segundo semestre, tanto que o Ceará teve uma queda menor (no PIB) do que o Brasil no ano de 2020.  

Apesar dessa recuperação, a taxa de desemprego no Ceará bateu o recorde da série e chegou a 15,1% no primeiro trimestre. Quão longe estamos de voltarmos aos patamares pré-pandemia e de chegarmos a um cenário ideal?

Às vezes essa divulgação do Caged, dos empregos formais, junto com o aumento do desemprego, gera essa dificuldade às vezes do público normal de entender. Tem a ver também com aquela questão que eu falei no início sobre o não pagamento do auxílio emergencial no início do ano, em janeiro, fevereiro e março. 

Quando você tinha o auxílio emergencial do ano passado, as pessoas ficaram mais em casa para se proteger do vírus e não iam buscar emprego no mercado de trabalho. Quando ela não vai buscar emprego no mercado de trabalho, ela não entra naquela conta da taxa de desemprego. Taxa de desemprego só entra quem está procurando trabalho. Então, se eu estou em casa não procurando emprego, isso não entra nessa conta.  

Quando eu vou ao mercado procurar emprego, isso aconteceu muito no primeiro trimestre por causa da ausência do auxílio emergencial, então essa taxa de desemprego explodiu, chegou a 15% aqui no Ceará, no Brasil também cresceu.

Ao mesmo tempo que você tem ganhos no emprego formal, mas aí é uma coisa mais residual. Você tem aumento dos empregos formais, mas muita gente, numa escala muito maior, que estava em casa, passou a procurar emprego e não encontrou.  

A gente tem esse movimento que é muito natural. O fato de estar aumentando empregos formais não é contraditório ao aumento da taxa de desemprego. Aumento da taxa de desemprego tem a ver com as pessoas indo buscar emprego. E aí, boa parte delas até encontram, caso do pessoal que teve o aumento do emprego formal, mas outra boa parte não encontra. E essa boa parte aumenta o número da taxa de desemprego.  

Agora, olhar esse número e projetar para o futuro, você vai ter muito que entender como é que vai funcionar as economias de uma maneira geral, não só para o estado do Ceará, mas para o Brasil e até para o mundo, como é que vão funcionar os tipos de empregos que vão surgir no futuro.

Será que, de fato, essa questão do emprego mais qualificado é o que vai vingar, no sentido de pessoas que vão cada vez mais trabalhar na modalidade remota, em home office?  

Se de fato esse tipo de emprego for o que tiver maior expansão, você vai exigir do trabalhador uma qualificação maior. Então, nesse sentido, muitos trabalhadores com pouca qualificação vão ficando para trás e aí eles vão ter dificuldade de se posicionar.  

A gente tem que ter um olhar muito cuidadoso agora nas transformações que vão ocorrer no mercado de trabalho, que tipo de qualificação vai ser exigida desse trabalhador e estar atento para treinamentos, para requalificações, para o público que puder ainda voltar pra escola, porque a gente vai ter um mercado de trabalho cada vez mais exigente e que vai exigir cada vez mais qualificação e outros tipos de qualificações. 

Teremos um mercado de trabalho com certeza em transformação e que pode prejudicar os menos qualificados. 

A informalidade e o desalento, quando as pessoas desistem de procurar emprego, são outros dois indicadores de alerta no Ceará, mesmo antes da pandemia. Quais as implicações dessas condições para a desigualdade?

Você só vai ter uma melhora na estrutura do mercado de trabalho aqui do estado do Ceará por dois aspectos. Primeiro, quando os trabalhadores tiverem cada vez mais qualificação e aí é um movimento importante que o estado do Ceará vem fazendo desde governos passados, principalmente na época do governo do Cid Gomes e agora com o governo do Camilo Santana, um investimento muito forte na área da educação, na melhoria da qualidade da educação. 

Você tem resultados muito positivos na comparação com os outros estados brasileiros na educação fundamental nos níveis iniciais, níveis superiores, agora no ensino médio. Assim, você vai ter uma nova geração que vai entrar no mercado de trabalho muito mais qualificada. 

Essas pessoas vão ter capacidade de acessar melhores empregos, principalmente no setor formal. Com certeza, um mecanismo é esse: trabalhadores mais qualificados, mais escolarizados, têm melhores empregos no setor formal, então, isso vai diminuir no médio-longo prazo a informalidade.

Esse problema não vai se resolver num curto prazo. Então, tem que pensar nas próximas gerações que estão agora na escola e que já vão entrar no futuro do mercado de trabalho.  

E a economia também precisa ganhar cada vez mais dinâmica. Atrair novos investimentos, atrair indústrias, atrair setores mais dinâmicos e, nesse ponto, também é importante esse dever de casa que o Estado faz na questão das contas públicas em dia, de investimentos em infraestrutura, em logística, em melhorar o ambiente de negócios, criar mais facilidades pra abertura de empresas.  

O Ceará, nos últimos anos, tem tido recordes de criação de empresas exatamente por essa legislação que está sendo mais modernizada, está sendo mais fácil de você abrir uma empresa, a parte de regulamentação.  

Enfim, então todo esse processo que está ocorrendo, a gente vai sentir no médio e longo prazo uma melhora da estrutura do mercado de trabalho, uma melhora da produtividade do trabalhador cearense e, com isso, melhores empregos.   

É só com educação que você vai ter melhora nos empregos, diminuição do setor informal da economia e acompanhado também, claro, de atração de investimentos para que o Estado se torne uma economia mais dinâmica para empregar essa mão de obra que está cada vez mais escolarizada.
  

Agora, enquanto esse processo não ocorrer, você tem uma desigualdade ainda muito acentuada, o nível de pobreza e de extrema pobreza no Estado muito elevado, exatamente por essa diferença de qualificação, de acesso de oportunidades, e faz com que a pobreza tenha a pobreza tenha sido perpetuada de geração por geração. 

A MP que flexibiliza as relações de trabalho, como a redução de jornada, gera uma subutilização da mão de obra? Isso preocupa de alguma forma?

No caso dessas MPs, que foram popularmente chamada de MP de preservação de emprego, acho que elas podem ter alguma externalidade negativa nesse ponto, mas eu acho que o mais importante naquela situação que o Brasil vivia no ano passado, e agora também com essa reedição dessas medidas provisórias, é a questão da preservação do emprego mesmo.  

Melhor que o trabalhador tenha sua carga horária reduzida, o seu salário reduzido, do que ele perder o emprego. Da maneira como estava a economia, não tinha como o empresário sustentar os empregos sem uma ajuda do Governo Federal com aquelas MPs.  

Apesar de algumas ressalvas que podem ser feitas, eu vejo como algo positivo, necessários e acho até que esse ano demorou muito a ter essa reedição das medidas provisórias.  

Do mesmo jeito do auxílio emergencial, essa descontinuidade toda também pode ter gerado esse aumento do desemprego no início do ano aqui no Brasil, no estado do Ceará. 

O ministro Paulo Guedes garantiu a extensão do auxílio emergencial por mais dois ou três meses, mas a discussão de como fortalecer o Bolsa Família retoma em Brasília. O senhor é a favor de um programa de renda básica mais amplo? Qual seria o modelo ideal?

Com relação ao auxílio emergencial, eu sou totalmente favorável a essa prorrogação, acho até que talvez só dois meses não seja insuficiente. Se o Brasil como um todo está projetando só para o mês de setembro um estágio mais avançado da vacinação, o ideal é que essa prorrogação se estenda pelo menos até esse mês, para você ter uma segurança maior para os trabalhadores. Porque se até lá a vacinação ainda está sendo completada, certamente o nível da atividade econômica não vai estar exatamente o ideal.  

Com relação ao desenho de um novo programa social eu acho isso importante. Claro que esse auxílio emergencial, como o próprio nome está dizendo, é emergencial, é para resolver um problema da pandemia, mas a gente não pode encarar ele como uma política social, como um programa social.  

Às vezes, se discute muito o nome do programa, se vai ser Renda Cidadã, se vai ser Bolsa Família. Eu acho que o nome não é o mais importante, mas a concepção. E na concepção, eu vejo que o que já existe hoje no Bolsa Família, a maneira como o Bolsa Família é aplicado para os seus beneficiários, ele tem um desenho muito já bem pensado, bem avaliado.

O que eu acho que precisa é que ele seja remodelado em alguns aspectos. Na minha opinião, primeiro no valor, porque hoje, em média, cada família beneficiária do Bolsa de Família recebe cerca de R$ 190. Esse valor precisa ser ampliado, não dá pra gente manter esse mesmo patamar de valor.  

A gente viu no ano passado, com esse valor de R$ 600 do auxílio emergencial, como paradoxalmente houve redução de pobreza e desigualdade no Brasil no meio da pandemia. Parece estranho falar nisso, mas o Brasil teve uma queda da pobreza, de extrema pobreza e de desigualdade no meio da pandemia.  

Por que? Por causa daquele valor de R$ 600 do auxílio emergencial. À medida que o auxílio emergencial caiu pra R$ 300, os níveis de pobreza e desigualdade já aumentaram. E agora no início do ano, as taxas de pobreza, extrema pobreza e desigualdade atingiram seus patamares mais elevados no Brasil, exatamente pela falta do auxílio emergencial.  

É preciso que nesse novo programa social, o Bolsa Família tenha um valor médio ampliado para as famílias. Eu imagino algo, pelo menos, em torno de R$ 300.  

Outro aspecto que eu acho importante nesse novo desenho é para as famílias que tem crianças de zero a seis anos e estão em situação de vulnerabilidade, situação de pobreza, extrema pobreza. É importante que os valores sejam maiores ainda.  

Porque o mais importante pra você transformar uma geração de pobres e extremamente pobres é acesso a oportunidade. É que essa criança tenha a mesma qualidade de saúde, de educação, de uma criança de uma família mais abastada.  

É importante que, para essas famílias, seja dado um valor maior pra que essas crianças possam ter acesso a melhores oportunidades.  

E, se possível, ampliar o volume de famílias beneficiadas hoje pelo Bolsa Família. A gente viu com o auxílio emergencial que tem muitas famílias que não recebiam o Bolsa Família, foram chamadas invisíveis, e de certa forma precisavam de algum complemento de renda.  

Todos estavam na informalidade e na hora que tem uma crise muito séria, como foi essa pandemia, eles ficaram sem renda nenhuma de um momento para o outro.  

É importante para esse público algum tipo de seguro. Se não um programa social propriamente dito, mas para esses invisíveis que precisaram do auxílio emergencial e não estavam no Bolsa Família é preciso pensar em algum tipo de desenho de seguro. 

Como a gente tem seguro de automóvel, seguro de casa, pensar em algum tipo de seguro que possa, no momento de crise, ser acessado por essas pessoas.  

Superada a pandemia, quais devem ser as prioridades, nos próximos anos, para recuperar e impulsionar a economia cearense?

Em vez de ficar focalizando em um outro setor da economia para tentar algum tipo de incentivo, algum tipo de subsídio, eu prefiro essas medidas horizontais que o Estado vem fazendo e que atingem todos os setores de uma maneira mais uniforme e fazem com que a economia se desenvolva.  

Vou dizer o que eu acho importante que o Estado já vem fazendo e deve continuar fazendo cada vez mais. Primeiro, continuar fortemente os investimentos na área de educação. Isso é, digamos assim, a receita número um. Quanto mais você tiver investimento em educação, no sentido de melhorar a qualidade, você vai ter um capital humano melhor formado, alunos com mais escolaridade, principalmente com mais qualidade de escolaridade, assim, um nível de aprendizagem bem maior. Isso vai torná-los muito mais produtivos, muito mais competitivos.  

Saúde também é uma coisa muito importante. O Estado agora está fazendo essa questão da regionalização da saúde. Antes todos vinham para Fortaleza. Agora são cinco macrorregiões de saúde, onde cada uma delas vai ter um grande hospital regional, vai ter leitos de UTI. Regionalizar a saúde para que as pessoas tenham qualidade de atendimento onde moram ou pelo menos perto de onde moram. 

Investimentos nessas áreas de infraestrutura, melhorar a infraestrutura do Estado, melhorar a logística do Estado. Então, isso também é uma maneira de atrair investimentos.  

Continuar no processo de melhoria do ambiente de negócios, cumprimento de contratos, facilidade de criação de empresas, investimento na área de ciência e tecnologia, que o Estado vem fazendo muito fortemente também, principalmente, capitaneada pela Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a nossa fundação de amparo a pesquisa, trazer a ciência pra dentro do setor público.  

Essa ideia de que é um subsídio, é um incentivo fiscal que vai atrair uma indústria para o Estado foi importante no passado, mas cada vez isso vem perdendo energia, vem perdendo força e principalmente se a reforma tributária for aprovada nos moldes que está discutida no Congresso.  

Ccomo é que o Estado se desenvolve, como é que o Estado atrai indústria, atrai negócios, atrai investimentos? É exatamente com isso, com capital humano qualificado, com um Estado com boa capacidade fiscal, com sustentabilidade fiscal, com regras claras, cumprimento de contratos, com bom ambiente de negócio, infraestrutura boa, logística boa, acesso à energia, acesso a água.  

O Estado já vem caminhando nessa direção. Eu acho que se cada vez mais aprofundar isso vai ser muito importante para acelerar o crescimento econômico do Estado nos próximos anos. E tudo isso só vai ser conseguido com sustentabilidade fiscal. A primeira missão para fazer tudo isso o Estado já aprendeu há 30 anos e vem fazendo isso com muita competência que é manter as contas públicas em dia.